pirenópolis – No ritmo do Cerrado

Cidade não deixa nada a desejar de tantas outras cidades turísticas

TEXTO: Por VITOR TAVARES/AE | FOTOs: divulgação
TEXTO: Por VITOR TAVARES/AE | FOTOs: divulgação

Das árvores do cerrado, ninguém tira fruta do pé. O sertanejo do centro do Brasil sabe que tem de respeitar o tempo do alimento: pequis, buritis e barus só devem ir para mesa quando caem de maduros no chão. Localizada no meio da vegetação seca nos arredores de Brasília e Goiânia, a pequena Pirenópolis vê o relógio andar devagar. Carros dividem o trânsito com cavaleiros em ruas que não permitem ultrapassagem, e as janelas das casinhas do centro histórico estão sempre abertas para alguns minutos de prosa. Chegar à cidade, um refúgio de tranquilidade entre duas metrópoles, é receber um sinal: hora de desacelerar.
O pé no freio em ‘Piri’, como é carinhosamente chamada, começa mesmo é na comida. Não só na paciência que quem vem de cidade grande precisa ter ao pedir um prato em algum restaurante – “Aqui, não adianta se estressar com a demora”, me disse um turista habitué -, mas principalmente no que comer. A cultura da comida orgânica, natural e saudável causa curiosidade de cara e está presente desde a feirinha das quintas-feiras atrás da igreja matriz até fazendas e refúgios ecológicos que promovem verdadeiros rituais à mesa.
A aproximação de Pirenópolis do debate alimentar que encontra adeptos principalmente em centros urbanos tem a ver com a história dos que foram morar ali em busca de qualidade de vida. Fundada em 1727 durante o ciclo da mineração, a cidadezinha, que já foi um dos centros culturais e econômicos de Goiás, foi redescoberta ao mesmo tempo em que, a 150 quilômetros dali, Brasília crescia. Em uma tentativa de fuga da então árida e pouco habitada capital federal, uma elite intelectual e econômica despertou o interesse pelo que havia do outro lado da Serra dos Pireneus.
É o caso do ex-diplomata Elim Dutra, que morou no Egito, Tunísia e Suécia, mas fincou os pés mesmo foi em Piri, ainda na década de 1980, na busca por uma vida mais pacata. Hoje dono de pousadas, permanece como um dos defensores do potencial e da calmaria da cidade.

MUITA CALMA NESSA HORA
Com esse cenário pronto, Pirenópolis recebe todos os anos, em setembro, um festival de cinema sobre o movimento mundial slow food. Moradora de Brasília, a produtora do festival, Carmem Moretzsohn, percebeu, nas visitas a Piri, que ali havia várias iniciativas que se encaixavam no movimento, mesmo sem que as pessoas tivessem conhecimento dele.
Desacelerar em Pirenópolis (para comer, andar pelas ruas ou visitar as atrações naturais) não é apenas um convite, mas também uma necessidade. Com média de 500 mil turistas por ano, a maioria de Brasília, a cidade tenta combater o turismo massificado. O maior símbolo da luta atualmente é a tentativa de barrar a construção de um empreendimento hoteleiro com 192 quartos bem ao lado da Igreja do Bonfim, monumento preservado desde 1750.
“Queremos turistas, mas de um jeito sustentável, que respeite as características e o estilo de vida daqui”, diz a advogada Bruna Vellasco, que move ações na justiça e conseguiu barrar a obra. Parece que ninguém quer colocar pilha no relógio.

As atrações principais são as cachoeiras. São 96 ao todo, 30 delas abertas à visitação
As atrações principais são as cachoeiras. São 96 ao todo, 30 delas abertas à visitação

RUAS DE PEDRA QUE REFLETEM
O PÔR DO SOL
Pirenópolis não tem monumentos históricos grandiosos, desses que acabam guiando os passos dos turistas – ou que transformam a temporada na cidade em uma maratona de um a outro, com pouca atenção dispensada ao caminho entre eles.
Mas a sutileza do centro tombado pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico (Iphan) desde 1989 faz o sorriso estar sempre no rosto. As casinhas cuidadosamente pintadas lado a lado, ora de branco e azul ora de branco e vermelho, parecem ‘cochichar’ umas às outras, como escreveu a poeta goiana Cora Coralina. São mais de 700 no centro histórico, que se estende por um raio de três
quilômetros.
Nos pontos mais altos ficam as igrejas, o que garante que sejam vistas de vários pontos, como é tradição em outras cidades coloniais, a exemplo de Ouro Preto e Olinda. As duas principais são a do Bonfim, que mantém sua estrutura original desde 1750, com um lindo altar de influências barroca e rococó, e a Igreja Matriz de Nossa Senhora do Rosário, mais suntuosa, datada de 1732 e considerada o principal e mais antigo monumento religioso de Goiás.
A matriz sofreu um incêndio em 2002, que consumiu toda a parte interna e o telhado, episódio lembrado até hoje como uma das maiores tragédias na cidade. As obras de reconstrução duraram quatro anos para a retomada do seu estado original e da conservação que se observa hoje.
O centro compacto concentra a maioria das pousadas e convida a caminhar pelas vielas, repletas de lojinhas de artesanato e restaurantes, sem medo de se perder ou mesmo da violência urbana. As ruas de Pirenópolis são todas calçadas com uma pedra chamada pé de moleque, extraída na região desde a década de 1960, e que dá um charme a mais sob o pôr do sol, quando reflete a luminosidade amarelada do limpo céu do cerrado.
Para os preguiçosos, uma alternativa às caminhadas é o serviço de tuc-táxi, espécie de triciclo que leva aos principais pontos por R$ 50.
Vale dar uma passada no Museu das Cavalhadas, para conhecer a história da principal festa da cidade, que simula um duelo entre mouros e cristãos cuja origem remonta ao século 8º. O ingresso custa R$ 4.
Os fãs de motocicletas encontram ainda o museu Rodas do Tempo, que narra a história dos veículos de duas rodas. Custa R$ 30.
Em frente ao Museu das Cavalhadas está a Ponte Velha, sobre o Rio das Almas, construída em 1899. É a principal ligação entre os dois lados da cidade e por ela só passa um veículo – ou cavalo – por vez. No passado, inclusive, Pirenópolis era chamada de Meia Ponte por conta de uma enchente que levou embora metade da construção. Hoje inteira e essencial para o ‘trânsito’ local, de um lado ou do outro acontece uma combinação entre condutores para decidir quem a atravessa primeiro.
Sob a ponte, o rio forma um pequeno balneário apreciado aos domingos principalmente pelas crianças, que usam a construção como trampolim em épocas em que as águas estão fartas.

COMER DEVAGAR E COM
AUTENTICIDADE
Na visita à fazenda Vagafogo, a hora de servir a comida parece uma brincadeira. O filho do casal, Uirá, monta uma mesa-redonda, cheia de potes e pratos geometricamente espalhados, com diversos sabores, típicos do cerrado ou não. A baru – tipo de castanha da região – se junta à tangerina para virar geleia; a pasta de cagaita – outra fruta típica que lembra goiaba – pode acompanhar um omelete; e o hibisco vai junto da pimenta e dentro do pão de queijo. Há ainda iogurte, queijos, chantilly e doce de leite, todos frescos, produzidos ali e com sabor realmente diferente.
A reserva, localizada a 7 quilômetros do centro de Pirenópolis, recebe cerca de 13 mil turistas por ano, entre os que topam um pouco de aventura no arvorismo, pela vegetação que permanece verde mesmo na época mais seca, entre abril e setembro, e os que escolhem o lugar para praticar o birdwatching, observação de pássaros em seu ambiente natural.

NATUREZA À VISTA E ÁGUA GELADA
Antes de Pirenópolis ser ligada a Brasília por uma estrada asfaltada, o que só foi feito na década de 1980, quem se aventurava a ir até a cidadezinha tinha de enfrentar horas em estradas de terra. O caminho antigo vinha pelo alto da Serra dos Pireneus e descia pelo cerrado até chegar ao centro do município.
Para chegar ao topo do Pico dos Pireneus, uma trilha bem estruturada leva com tranquilidade pessoas de todas as idades. O caminho pode ser feito em menos de 30 minutos, com parada para fotos, e sem precisar de guia. O melhor momento para subir é o que antecede o pôr do sol, para assistir lá de cima o horizonte ficar alaranjado e as cidades das redondezas se iluminarem. Em dias totalmente limpos, dizem, é possível ver até seis municípios do alto, inclusive as luzes distantes da capital do país.
Antes de chegar ao pico, vale dar uma parada na Vila dos Becos, conjunto de interessantes formações rochosas que já teria sido mar um dia. Uma trilha simples, de 15 minutos de caminhada e um pouco de escalada, leva até o topo das pedras, de onde se tem uma bela vista da serra. Não há sinalização no local; vale ir com guia.
Mas as atrações principais em Pirenópolis são as cachoeiras. São 96 ao todo, 30 delas abertas à visitação. Todas ficam em reservas particulares. Na Reserva do Abade (R$ 30 por pessoa) são quatro, acessadas por meio de trilhas com boa infraestrutura, inclusive uma bela ponte suspensa. A versão reduzida do passeio leva a apenas duas quedas d’água. A principal cachoeira da reserva tem uma queda de 22 metros, cercada por mata e que termina em um lago de águas verdes, calmas e geladas.
A que fica mais próxima da cidade é a Cachoeira Meia Lua (R$ 15 por pessoa), distante 5 quilômetros do centro, aos pés da Serra dos Pireneus. São 200 metros de corredeiras distribuídas em várias quedas, tendo a maior delas 10 metros de altura. Mais longe, a 18 quilômetros, está a Cachoeira Araras (R$ 20 por pessoa), boa para levar crianças, cuja infraestrutura tem rancho, restaurante e pousada. É possível combinar cachoeiras em um mesmo dia, sempre atento às condições climáticas – algumas estradas ficam interditadas em época de chuva.