Pedaço de Saigon – Vietnã

Um país belo, idílico e com gastronomia e cultura fascinantes

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Na margem do Rio Saigon está uma cidade que não quer parar, mesmo quando cai a noite – quente e seca em razão da época do ano, entre fevereiro e abril. Da embarcação turística, atrativo para interessados em provar comidas típicas ao som de música folclórica, o cenário da movimentada Ho Chi Minh, no sul do Vietnã, é colorido e tipicamente urbano: prédios se intercalam em tamanho e ganham destaque por seus letreiros luminosos que estampam marcas do mundo todo.
Nas ruas, as buzinas não param e são elas que fazem as regras em um trânsito caótico aos olhos ocidentais. O barulho vem, principalmente, das cerca de seis milhões de motos tipo Vespa que invadem as ruas levando, para cima e para baixo, famílias inteiras. Por isso, não se espante ao olhar para o lado e se deparar com um bebê em um dos braços do motorista ou com um cachorro ‘surfando’ no piso da pequena motocicleta – as mais clássicas prendem a atenção dos amantes automotivos.
Na maior e mais populosa cidade do país – estimam-se 12 milhões de habitantes, número que deve passar dos 20 milhões até 2050 – há comércio e negociatas por todos os cantos. Lojas de departamento, mercadinhos, restaurantes, cafés e incontáveis ambulantes não deixam o coração financeiro do Vietnã atrás de nenhuma outra metrópole. Mas há muitas coisas que escapam – e você perceberá isso logo na primeira caminhada – ao nosso mundo globalizado.
A cultura milenar ainda preserva muitos traços da influência chinesa e dos anos da colonização francesa durante o século 19, traduzidos em arquitetura, língua, religião e costumes cotidianos.
No meio do buzinaço de uma manhã de sábado no centro da cidade, por exemplo, um casal consagra seu amor na Catedral de Saigon Notre-Dame – sim, uma réplica da famosa parisiense -, construída em 1863 pelos próprios franceses. A noiva, vietnamita, em um traje vermelho bordado; o noivo, francês, em uma espécie de túnica azul. Ambos posam para os intermináveis pedidos de fotos dos curiosos turistas. Estão tão felizes quanto o Buda gigante exposto em uma pagoda nada convencional a uma hora e meia dali, na região do delta do Rio Mekong. O templo Vinh Trang, em My Tho, é assim: por fora, contornos de uma arquitetura tipicamente francesa e detalhes inspirados na cultura do vizinho Camboja; por dentro, inspiração romana; nas paredes, ideogramas chineses.
São esses contrastes que fazem de Ho Chi Mihn – ou Saigon, para os mais antigos – um lugar excepcional no Sudeste Asiático. Das aventuras do jornalista Tintim, criado por Hergé, aos relatos hollywoodianos da Guerra do Vietnã, nosso imaginário se refaz a cada descoberta. Três dias serão suficientes para conhecer o sul do país e perceber que a Cochinchina – sim, ela existia, e ficava nessa região – pode ser mesmo longe (partindo de avião do Brasil, são 20 horas, com escala em Dubai). Mas basta desembarcar para se ter a certeza de que a viagem valeu cada quilômetro percorrido.

Motocicletas dominam o trânsito caótico da capital do Vietnã
Motocicletas dominam o trânsito caótico da capital do Vietnã

CULINÁRIA
A dieta vietnamita consegue a proeza de reunir alimentos que são, ao mesmo tempo, saudáveis e saborosos. Não senti nenhuma falta das comidas rápidas e gordurosas das quais, admito, sou uma fã – nem fui à unidade do McDonald’s, a primeira, aberta em Ho Chi Minh apenas em 2014.
Já os ingredientes coloridos, legumes, vegetais e frutas, combinados com carnes de frango e porco e com uma boa variedade de peixes e frutos do mar definem a cozinha local. Provavelmente, ajudam também a explicar a silhueta unanimemente esguia dos vietnamitas.
Os rolinhos primavera, bem conhecidos dos brasileiros, lá têm outro sabor. Os spring rolls são crocantes, sequinhos e preparados com folhas de papel de arroz, o banh trang. O recheio leva vegetais e frutos do mar – o de camarão é delicioso. Fritos, ficam ainda melhores quando mergulhados no molho apimentado que os acompanha. Nos restaurantes, a porção custa, em média, 109 mil dongs (R$ 16).
Os biscoitos de arroz são servidos com uma salada fria que faz papel de recheio. A berinjela grelhada temperada com molho de peixe, amendoim, alho e cebolinha é outra boa pedida para a entrada.
Guarde espaço, porém, para os pratos principais. Vale a pena pedir frango desossado com vegetais ou peixe crocante, acompanhados do bom e velho arroz. Carne de porco cozida pode ser servida com batatas e casa muitíssimo bem com pão. Apesar da localização geográfica, há épocas em que os frutos do mar são mais caros no Vietnã, mas a variedade de opções nos restaurantes é de encher a boca de água. Pimenta e alho são temperos básicos.
Outra experiência gastronômica tipicamente
vietnamita é a sopa com noodles. Antes de tudo, desconsidere o horário ideal para este tipo de refeição. No Vietnã, o caldo quente preparado com fios de macarrão de arroz, brotos, vegetais, carne ou frango é servido em tigelas desde as primeiras horas da manhã até o anoitecer. Come-se com hashi e colher, do café da manhã ou jantar, e custa cerca de 49 mil dongs (R$ 7).

Cataratas de Detian ficam na fronteira da China com o Vietnã
Cataratas de Detian ficam na fronteira da China com o Vietnã

VIDA NOTURNA
Era sexta-feira à noite e a Praça da Comuna Parisiense, próxima à Catedral de Notre-Dame, borbulhava. Jovens disputavam cada centímetro do gramado com suas toalhas e garrafas servidas de chá e café. A calçada do entorno também era disputada: sobre ela, uma fileira de motos esperava os donos que aproveitavam o calor – alguns, devorando um prato de noodle (macarrão). Perto dali, cafeterias lotadas. Em todas elas, o cardápio é variado, os preços são modestos, a quantidade e a qualidade, prazerosas. Uma boa opção para turistas que, como nós, estavam desprevenidos e não levaram a própria bebida – só tenha em mente que poucos vendedores falam inglês.
A vida noturna no centro, ou Distrito 1 – as regiões em Ho Chi Minh são divididas em 11 distritos -, costuma ser assim, movimentada até pelo menos as primeiras horas da madrugada. Grande parte do comércio fecha as portas depois das 22 horas, como os shopping centers, mas há sempre uma ou outra loja de conveniência aberta. Nada comparado, claro, ao movimento diurno. Basta reservar um dia para conhecer o Mercado Ben Thanh e você entenderá o que quero dizer.
Como em qualquer mercado municipal, o movimento é intenso e a organização é o caos. Mas, no de Ho Chi Minh, tudo se mistura: nos mais de três mil quiosques apertados em corredores estreitos, estão à venda de roupas a carnes, de frutas a chás, de peixes a perfumes. Percorra o setor de presentes para encontrar uma versão em miniatura de Tintim em Saigon por 150 mil dongs (R$ 20), isqueiros com temas de guerra a 180 mil dongs (R$ 24) ou uma camiseta básica com a foice e o martelo estampados.
A guia Lam alerta que tudo é mais caro por lá (sim, acredite), mas a qualidade compensa e, principalmente, todo valor pode ser negociado. É só dizer que não vai levar o produto para o vendedor, em inglês básico, tentar barganhar. O assédio pode incomodar um pouco, mas vai valer a pena se você estiver mesmo interessado em comprar. Por isso, procure ir sem pressa – o mercado funciona das 5h30 às 17h30 todos os dias, mas as lojas de roupas e sapatos, por exemplo, abrem mais para o meio da manhã.
Do lado de fora, a confusão não é menor. Ambulantes tentam fazer dinheiro e as ruas são tomadas por ônibus de turismo chegando e partindo, pedestres e donos de motos vendendo aos turistas alguns minutos em cima de suas garupas. Vontade de descobrir Ho Chi Mihn pilotando ou sendo passageiro em uma dessas Vespas não faltará. Para não cair em roubadas, no entanto, o melhor é procurar uma agência. Uma volta de três horas e meia, com direito a uma bebida e parada para comer, sai por US$ 89 por pessoa na Vietravel (vietravel.com.vn).

HERANÇA DE EIFFEL
O Correio Central é outro bom lugar para fazer umas comprinhas no centro e, ao mesmo tempo, conhecer um prédio histórico. Desenhado pelo francês Gustave Eiffel (sim, o mesmo da Torre Eiffel de Paris), foi erguido entre 1886 e 1891.
Reformado recentemente, está conservadíssimo – e lotado diariamente desde a abertura, às 7 horas, até quando tranca as portas às 19 horas (18 horas às quartas-feiras).
Há, claro, a movimentação dos moradores interessados no serviço de telegrama. Mas a maioria faz do espaço um novo mercado de souvenirs e poucos reparam no design. Não é para menos: são várias lojinhas que apostam em vendedoras vestidas com o ao dai, traje típico vietnamita, para atrair clientes. Caminhe até o fim dos corredores para encontrar o tradicional chapéu nón la em formato de cone desde 30 mil dongs ou (R$ 4), cartões-postais (80 mil dongs ou R$ 10), calendários (150 mil dongs ou R$ 20), miniaturas de motos (250 mil dongs ou R$ 33) e até trabalhadores sentados entre as mercadorias, almoçando o costumeiro noodle.
Não é exagero chamar esse ‘pedaço de Saigon’, como diria Emílio Santiago, de afrancesado. Saindo do Correio, duas torres avermelhadas em estilo neogótico fazem esquecer por alguns minutos que seus pés estão no Sudeste Asiático e não em algum canto europeu cuja tradição medieval foi preservada. A Catedral de Notre-Dame quebra as expectativas de quem busca apenas o exótico. Tijolo por tijolo, telha por telha, todos trazidos da França no século 19, quando a igreja começou a ser construída. O espaço abrigou a minoria católica que se instalou na região e, hoje, é uma das mais importantes obras arquitetônicas do país predominantemente budista.