Desfrute o sossego de São Miguel dos Milagres

O mar sempre morninho, na temperatura ideal para entrar sem ter de ‘criar coragem’. A água transparente, em um tom indecentemente verde, que parece mandar você parar imediatamente e aproveitar aquele cenário com o pé na areia, antes mesmo de fazer check-in na pousada. A costa alagoana é assim: uma sucessão de deliciosas tentações, organizadas de tal maneira que parece irresistível alugar um carro para explorá-las. Afinal, são apenas 230 quilômetros de ponta a ponta.
Mas que tal se rebelar contra as convenções? Que tal escolher apenas um ponto para se instalar, sem pular de pousada em pousada, dispensar o carro alugado e fazer aquilo que se deve fazer nas férias: relaxar?
Foi exatamente isso que fiz no começo de outubro. Em vez de deixar a Praia do Toque como uma mera escala, privilegiando áreas mais movimentadas como Maragogi ou Gunga, optei pela tranquilidade de um lugar com zero badalação e muita calmaria.
Dispensar o carro, para mim, tem tudo a ver com a proposta de relax. Desde que decidi vender o meu, há dois anos, tenho evitado dirigir também nas viagens – na medida do possível, é claro. Ter um automóvel sob sua responsabilidade significa ter de lidar com questões como se concentrar no caminho, estacionar ou encontrar um lugar para lavá-lo antes da devolução (as locadoras cobram taxas altíssimas para quem devolve o veículo sujo).
Sendo assim, falei com Jessy Greenhut, da Pousada da Amendoeira, onde me hospedaria, e perguntei o que ela achava da ideia. “Tranquilo. Se você quiser ir a outra praia, tem mototáxi, buggy e também temos bicicletas na pousada”, foi a resposta. Perfeito.
Como o objetivo era uma viagem em um ritmo mais lento, não percorri toda a Rota Ecológica (trecho de 35 quilômetros entre Barra do Camaragibe e Japaratinga). Me concentrei nas proximidades do Toque, usando principalmente uma das bicicletas da pousada para me locomover.
Todos me recomendaram cautela, especialmente durante a semana, quando há ainda menos movimento nas praias, mas não me senti insegura momento algum. Vi muitas mulheres, moradoras locais, com suas crianças brincando no mar ou pegando mariscos, e pescadores cuidando de seus barcos. Estava atenta, mas sem tensão.
Era tudo o que eu precisava durante os cinco dias em que passei de frente para aquele mar morninho, sempre na temperatura ideal, indecentemente verde.

Maré
Os passeios para as galés e pelo mangue do Rio Tatuamunha dependem da maré. Programe-se para ir nas luas cheia ou nova, quando há maior amplitude de maré. Foi o que eu fiz.

Horários
Tudo é mais cedo por ali: o sol nasce antes das 5 da manhã e se põe por volta das 17h30. Restaurantes costumam fechar às 21h; o melhor é chegar para jantar até as 20 horas. Ao menos um dia, acorde cedo para ver o sol surgindo das águas do mar. As noites de lua cheia são outro espetáculo: ela também ascende do oceano e tinge de prateado o mar à frente. Sem iluminação artificial nas praias, o espetáculo é garantido.

Réveillon
De 27 a 31 de dezembro, o Réveillon dos Milagres leva diversas atrações à Praia do Marceneiro, com festas Open Bar. É possível comprar as festas individualmente (a partir de R$ 400) ou em combo (a partir de R$ 1.890).

Projeto social
Criado por Jessy e Tsachi, da Pousada da Amendoeira, o Instituto Yandê realiza atividades socioambientais na região. Há curso de informática, biblioteca, mutirões de limpeza e oficina de reciclagem. Doações de livros são bem-vindas.

Pelo mangue, na trilha das camboas

Pelo mangue, na Trilha das Camboas, peixes-boi dormem, descansam e dão à luz a filhotes – Divulgação

Admito: quando ouvi a sugestão de fazer o passeio pela área de mangue próximo ao Rio Tatuamunha, não fiquei tão empolgada, mas estava curiosa com a proposta. Não imaginava que o tal roteiro pela Trilha das Camboas seria um programa tão lindo e enriquecedor. Além de Rafael Lustosa, da Camboa Ecoturismo, tive como companheiros de trilha o casal Kétria e Rafael Souza, em seu último dia de férias.
Camboas, segundo Rafael explicou, são canais de maré que se formam naturalmente nos manguezais. “É por onde passa o maior volume de água quando a maré está secando ou enchendo”, conta. Por esses ‘caminhos d’água’, peixes entram e saem do manguezal – e são neles que os peixes-boi dormem, descansam e dão à luz seus filhotes.
Biólogo de formação, Rafael foi estudar a região e percebeu que havia um potencial turístico ali. Há três anos montou a agência, que funciona dentro do Angá Hotel.
É justamente pelas camboas que nosso passeio é conduzido (R$ 30; reserve pelo 82-99174-1599). Vá de chinelos, que, em determinado momento, serão retirados: na maior parte do tour, estamos com os pés descalços, experimentando os diferentes tipos de solo que nos é apresentado. Fique tranquilo: é seguro. Basta caminhar com alguma atenção.
Começamos por uma área com vegetação de restinga e uma linda visão: pequenos caramujos grudados nos ramos, branquinhos, dão a impressão de serem flores prestes a desabrochar. É só ao se aproximar que se percebe a diferença.
Logo estamos pisando sobre uma areia grossa, que alguns passos depois se transforma em uma lama onde nossos pés afundam até os tornozelos. Minutos depois, estamos caminhando no leito do rio. As mudanças no solo se sucedem, e a vegetação também se transforma no caminho.
A beleza se apresenta no inesperado. Seja o grupo de crianças, moradoras das proximidades, brincando no rio, no voo majestoso da garça, nos minicaranguejos que correm juntos quando nos aproximamos – em um primeiro momento, dá até a impressão de que o solo está se movendo.
Seguimos até a Foz do Rio Tatuamunha para um merecido mergulho antes da volta, caminhando quase sempre pelo leito do rio. Vá de boné, reforce o protetor solar e não esqueça de levar água. O trajeto, de cerca de 2h30, é plano e bem tranquilo para fazer com crianças. Desafiador mesmo é tirar a lama dos pés no fim do passeio.

Praia do Toque

O passatempo preferido dos turistas é se deliciar nas pequenas lagoas e piscinas naturais – Divulgação

A Praia do Toque fica no coração da chamada Rota Ecológica. A fama desse pequeno trecho de areia, na orla de São Miguel dos Milagres, tem muito a ver com a Pousada do Toque, inaugurada no ano 2000, com uma proposta que mescla sofisticação e rusticidade Hoje, a praia é sinônimo de charme e ganhou outras pousadinhas interessantes, restaurantes de cardápio inesquecível e uma faixa de areia em que o sossego é garantido.
No Toque, o único restaurante pé na areia é o da Pousada Milagres do Toque, que também funciona como receptivo para grupos de Agências de Turismo. Mas se você está hospedado em uma das pousadinhas dali consegue desfrutar do serviço de praia exclusivo que esse estabelecimento oferece. Sem muvucas, música alta ou vendedores inconvenientes.
Próximo ao centro de São Miguel, há barracas simples, conhecidas pelo nome da mais famosa: Recanto da Mija-Della. Nos fins de semana, grupos fazendo bate-volta ou em ônibus de excursão costumam parar por ali. Seguindo em direção à Barra do Camaragibe, as praias são desertas em boa parte do tempo – um quiosque aqui, outro ali, alguns barcos de pesca, uma pousada. Fui de bicicleta até o comecinho da Barra, bem devagar. A volta, contra o vento, foi um pouco mais puxada. Mas quem tem pressa?
Quem se hospeda no Toque tem como centro urbano mais próximo – com restaurantes, lojas e bares, tudo muito simples – o povoado de Porto da Rua, um distrito de São Miguel dos Milagres a apenas 1 quilômetro de distância do Toque, sentido Tatuamunha. É interessante observar que a maior parte do comércio não fica à beira-mar, mas às margens da rodovia.

Rota Ecológica
Uma sucessão de lindas praias, ao longo de aproximadamente 35 quilômetros, entre Japaratinga e Barra do Camaragibe. A chamada Rota Ecológica é repleta de pequenos povoados litorâneos, onde a vida tem um ritmo mais tranquilo – embora esse cenário esteja cada vez mais ameaçado com a grande quantidade de condomínios que vem se espalhando por ali. Ao menos por enquanto, o visitante consegue curtir o mar sempre convidativo da costa alagoana e se deparar com mulheres preparando mandioca em uma casa de farinha comunitária. Ou observar, pela manhã, famílias com baldes cheios de mariscos recém-capturados para o almoço do dia. Já as antigas praças de TV, com um televisor comunitário, são cada vez mais raras.
É possível explorar boa parte desse trecho litorâneo de bike (como eu fiz) ou nos passeios de buggy. Vale dizer que os veículos não podem rodar nas praias, então eles seguem pela AL-101 parando em pontos determinados para os turistas se banharem. O bacana é que os bugueiros sempre conhecem pontos estratégicos e trazem seu olhar local para o roteiro, com histórias e dicas. O passeio de 3 horas custa R$ 150 – reserve na própria pousada.
Mas se você tiver optado por alugar carro e não quiser ter a despesa extra do buggy, pode fazer um roteiro semelhante por conta própria. Mas informe-se sobre os pontos de parada para não deixar passar points bacanas do caminho – nessa reportagem, listamos algumas sugestões.

Por Adriana Moreira/Agência Estado