Hoi An: Uma surpresa iluminada no Vietnã

O centrinho da cidade antiga é onde tudo acontece

Por Glauco de Pierri/Agência Estado | Crédito foto: Divulgação

A receita é simples e certeira. Um vilarejo com meia dúzia de ruas que se percorre a pé, entre casinhas amarelas e varais de onde pendem delicadas lanternas de seda coloridas. E um rio que convida para um passeio de barco no fim do dia, logo antes do jantar.
Quando se percorre uma região tão rica em superlativos como o Sudeste Asiático, a aparente simplicidade de Hoi An, no Vietnã, pode ser muito bem-vinda. Especialmente se o roteiro também inclui a babel urbana de capitais como Hanói ou Bangcoc, esta última ali ao lado, na Tailândia. Ou a imensidão verde e cinza do parque de ruínas de Angkor, no Camboja.
Mas o que poderia ser apenas uma parada estratégica para recarregar as baterias, sem maiores pretensões, tem predicados suficientes para ser a grande surpresa da viagem.
Apesar de relativamente pequena, com cerca de 120 mil habitantes apenas, Hoi An é uma das principais vitrines do turismo no Vietnã, com sua atraente combinação de história e boa gastronomia. O lugar despontou nos séculos 17 e 18 como um entreposto mercantil, graças à sua posição geográfica na Foz do Rio Thu Bon, conectando o interior do país com o mar da China.
A instalação de um porto atraiu comerciantes da Índia e da Europa, e a dinastia Nguyen permitiu que chineses e japoneses construíssem templos e lojas por ali. Mais tarde, o país viveria quase cem anos de ocupação francesa.
Vestígios desse passado tão múltiplo em nacionalidades podem ser conferidos em uma caminhada pelo centrinho da cidade antiga, que foi tombado pela Unesco em 1999 e tem uma porção de construções históricas preservadas. Algumas são singelas, como a Tan Ky, um sobrado de dois andares erguido por um mercador há cerca de 200 anos, com influências arquitetônicas da China e do Japão, ou a Duc An, que foi uma antiga livraria e farmácia.
Outras são grandiosas, caso dos templos chineses de Phuc Kien e Quang Trieu, com suas fachadas, pátios e altares ricamente ornamentados.
No interior desses santuários, visitantes do mundo todo recorrem a uma simpatia para alcançar o que lhes falta. Funcionários do local escrevem os nomes completos dos fiéis e seus votos em cartolinas, que são presas a enormes incensos em forma de espiral. Os incensos são pendurados no teto do templo e acesos, consumindo-se lentamente, para que os desejos sejam realizados.
Para visitar cada uma dessas construções, é preciso apresentar um tíquete, vendido nos guichês de informação turística em cartelas de cinco cupons, por 120 mil dongs (US$ 5,30).
Badulaques. Mas o componente histórico não é o único atrativo de Hoi An. No casario colonial amarelo-canário que dá o tom da cidade antiga, instalaram-se cafés com fachadas e varandas floridas, além de lojas que vendem artesanato, suvenires, bijuterias e também tecidos e roupas feitas sob medida. As típicas luminárias que são a marca do lugar enfeitam o interior de algumas butiques.
Dá para passar um dia inteiro explorando tudo isso sem pressa, com direito a uma pausa para um café vietnamita, servido em um copo alto sobre leite condensado e gelo. As ruas do centrinho são fechadas à circulação de carros, o que deixa o passeio mais agradável.
Para quem não quiser bater perna o tempo todo, uma solução pitoresca é recorrer aos serviços de um dos muitos bicitáxis que circulam por ali, pilotados por motoristas uniformizados com camisas azuis, e que emprestam a Hoi An um jeitão de lugar meio parado no tempo.
Vale a pena dedicar algum tempo ao Mercado Central. Dá para encontrar frutas e legumes, peixes frescos, macarrão feito ali mesmo e temperos de todos os tipos, em estandes dentro de um grande pavilhão e na feira de rua que se instala ao seu redor, naquela bagunça organizada comum aos mercados asiáticos.
Com tantos estímulos visuais ao mesmo tempo, o cenário é uma delícia de fotografar, mesmo que não se pretenda comprar nada. Difícil é passar incólume aos apelos insistentes dos comerciantes, que parecem enxergar no turista uma galinha dos ovos de ouro – vá com o espírito preparado.

NOS ARREDORES
Com dois ou três dias inteiros em Hoi An, você já pode ir além da cidade antiga e explorar outros cenários. Um deles é a praia de An Bang, que fica a 5 quilômetros do centrinho, em um percurso que pode ser feito de bicicleta, atravessando campos de arroz.
É verdade que a beleza dessa praia, sozinha, não justificaria uma viagem até lá, como ocorre com a ilha tailandesa de Koh Phi Phi, famosa por suas águas em matizes de esmeralda e turquesa. Mas dá para esquecer da vida tomando sol e boiando em um mar piscininha, desses perfeitos para levar crianças (os asiáticos entram na água de roupa e tudo, com direito a óculos de sol, chapéu e até tiara).
O costão bem reto é pontuado por coqueiros e alguns bares-restaurantes, que cedem sua estrutura com choupanas de palha e espreguiçadeiras de madeira a quem nelas consumir. O Soul Kitchen tem um estilo praiano que poderia estar em Pipa ou Geribá, e serve saladas, lanches saudáveis e frutos do mar, enquanto o vizinho Luna D’Antunno aposta em massas e pizzas. Espere pagar US$ 7 por um prato e US$ 4 por um drinque.
Outro passeio a se fazer com uma bicicleta é até a vila de Cam Thanh, que tem uma certa pegada ecológica. O barato ali é descer o rio em cestas gigantes de bambu, em meio a pescadores e rodeado por um denso coqueiral, de onde casas simples servem água de coco aos turistas. Não esqueça de passar repelente.
Para quem tiver mais tempo, agências locais oferecem excursões ao santuário de My-Son, a uma distância de 55 quilômetros, um parque com templos hindus em ruínas que pode ser visitado em um passeio de cinco horas, ou a Hue (145 quilômetros), a antiga capital do país, com sua cidadela murada construída no estilo da Cidade Proibida de Pequim.

PASSEIO DE BARCO
O passeio pelo Rio Thu Bon até pode ser feito a qualquer hora do dia, mas bom mesmo é deixá-lo para o fim da tarde. É nesse momento que a mágica de Hoi An acontece.
Pouco depois das 18 horas, quando o céu já está naquele crepúsculo azulão, mulheres e crianças vão para a beira do rio com bandejas cheias de velas, dispostas em barquinhas de papel coloridas. É nesse momento que você contrata um barco e, de dentro dele, deposita as barquinhas no leito do rio, formulando um pedido para cada vela acesa.
Aos poucos, o Thu Bon vai sendo tomado por barcos indo em todas as direções, espalhando mais e mais barquinhas acesas em suas águas, nas quais os últimos raios do dia ainda se refletem. Casais de noivos aproveitam a cena para registrar vídeos e imagens para seus álbuns de casamento e, claro, lançar velas ao rio, pedindo bênçãos para a próxima etapa de suas vidas.
Dentro e fora do rio, Hoi An fica toda iluminada e ainda mais alegre, com famílias inteiras nas ruas, ocupando mesas nos bares e restaurantes, enchendo de movimento as barracas que vendem lanternas. É assim, com delicadeza, que esse vilarejo tão especial fisga o coração do visitante. / T.L.

NA PRÁTICA
Passeio de barco: basta se aproximar da beira do rio para ser abordado por barqueiros. As embarcações mais rústicas levam até quatro turistas. Atenção: com o sol a pino, o calor é escaldante e a luz forte deixa as fotos “estouradas”.
A ordem é barganhar: como em todo o Sudeste Asiático, a ordem é pechinchar: todos or produtos têm preços diferentes para o nativo, o turista asiático e o ocidental. Bijuterias, as icônicas luminárias de seda e o passeio de barco pelo rio podem custar 20% a menos que o valor inicialmente pedido. Faça a primeira abordagem sem mostrar muito interesse e não tenha medo de fazer uma contraproposta de valor mais baixo.
Código de vestimenta: use roupas leves para o calorão e um calçado confortável. Embora não haja um código de vestimenta tão rígido, é bom evitar decote, camiseta regata e bermuda acima do joelho para entrar em templos.
Fique perto do centrinho: a localização do seu hotel escolhido será melhor quanto menos você precisar caminhar para ir até o centrinho da cidade antiga. Ao fechar sua hospedagem, considere também a ideia de contratar com o próprio hotel o transfer a partir do aeroporto de Da Nang – assim, você evita ficar na mão de taxistas.
Ingressos e afins: quando você voltar ao centrinho para jantar, ou mesmo se for ficar mais de um dia na cidade, guarde consigo o ingresso para a cidade antiga, mesmo se já tiver usado todos os cupons.
A rigor, você só precisa pagar para entrar nas construções históricas, mas os funcionários do guichê vão tentar fazer você comprar outra cartela pelo simples fato de estar entrando novamente na área.

CALDOS E ESPECIARIAS
A passagem de chineses e franceses pelo Vietnã deixou marcas que se notam também à mesa. Prova disso é que um dos quitutes mais emblemáticos de Hoi An, o banh mí, é uma baguete indisfarçavelmente francesa – recheada de pernil ou frango, mais pepino, cenoura, coentro e uma úmida mistura de ervas e pimentas que valorizam o gosto da carne e dão liga ao sanduíche. Um lanche para qualquer hora, que custa menos de US$ 1.
Aromática, a cozinha local usa condimentos como molho de peixe, chilli doce, nuóc cham, coentro e limão para criar molhos ao mesmo tempo picantes e adocicados. Neles, mergulham-se rolinhos de papel de arroz no vapor com camarão e vegetais (goi cuon), cestinhas crocantes com carne de caranguejo desfiada ou os irresistíveis crispy duck rolls – charutos formados por finos filamentos de massa, recheados de pato e fritos, que derretem na boca.
Se você aprendeu no Bom Retiro paulistano a gostar de phô, aquela sopa quase hospitalar de macarrão de arroz com broto de feijão, ervas e fatias de frango ou carne, pode até achar quem prepare uma igual em Hoi An, mas ela é típica de Hanói. Aqui, será bem mais fácil encontrar noodles servidos com barriga de porco frita e legumes, sobre um caldo viscoso de porco e coroados por salgadinhos de arroz que lembram mandiopãs. A descrição apeteceu? Basta pedir um cao lau.
Mas se nada do que você leu nos parágrafos anteriores abriu seu apetite, não se preocupe. Nos cardápios da cidade antiga, dá para pescar opções mais palatáveis ao gosto ocidental, desde um básico filé com fritas até traduções bem livres de espaguete à carbonara. Elas podem ser um socorro providencial para os paladares menos aventureiros, mas custarão mais caro e não renderão experiências gastronômicas arrebatadoras.
Uma caminhada pela rua da orla do rio (Bach Dang) e pela paralela Nguyen Thai Hoc vai revelando uma sucessão de restaurantes simpáticos, alguns com mesas em varandas ou pátios ao ar livre. Mas não perca a hora: às 22 horas, as cozinhas já estão encerrando o expediente.
Depois do jantar, faça a digestão atravessando a ponte para An Hoi e flanando pelo mercado noturno, com barracas que vendem luminárias de seda.
Por ali, carrinhos de rua e restaurantes simples vendem pratos de US$ 1 a US$ 2 para os nativos. Arrisque um com ga (arroz cozido em caldo de frango, ervas, cebola, limão e geleia de pimenta), se quiser ter uma amostra da comida do dia a dia dos vietnamitas.

 

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