Cortar o glúten é boa opção?

Excluí-lo sem indicação de médico ou nutricionista pode aumentar risco de diabetes 2

texto: Ana Paula Blower/infoglobo | foto: divulgação
texto: Ana Paula Blower/infoglobo | foto: divulgação

Retirar o glúten da alimentação, mesmo sem qualquer sensibilidade ou doença, tem se tornado moda entre pessoas que querem emagrecer. Um estudo da Universidade de Harvard, nos Estados Unidos, mostra que, na verdade, esse hábito pode aumentar os riscos de se desenvolver diabetes do tipo 2, mais comum em adultos.
A pesquisa mostrou que quem ingeriu a maior quantidade de glúten teve 13% menos chances de desenvolver a doença do que quem consumia a menor, de até 4g diárias. Cientistas de Harvard acompanharam 200 mil pessoas por 30 anos.
Segundo especialistas, o grande problema por trás da relação entre a retirada do glúten e o diabetes estaria nas substituições.
“Quem para de comer glúten e passa a fazer uso de alimentos pobres em fibras, com carga glicêmica alta, como exagerar na tapioca, pode ganhar peso e, com isso, aumentar riscos de desenvolver doenças crônicas” – observa a nutricionista funcional e esportiva Orion Araújo.
Ela diz que a retirada do glúten deve ser feita com orientação nutricional, mas desde que haja necessidade.
“Se não for celíaco ou hipersensível não tem porquê. Um pãozinho de manhã não faz mal algum. O problema é consumir em todas as refeições” – diz Orion.

preste atenção

Alternativas:
O segredo no consumo de glúten é o equilíbrio. Para isso, substituir alguns lanches como pães e bolos por frutas e castanhas é uma boa alternativa. Os pães integrais também são boas opções. De qualquer forma, a consulta nutricional é sempre indicada para elaborar um plano alimentar adequado às necessidades e ao gasto calórico de cada um.

Fique atento:
Se a sua alimentação não é boa, está com sobrepeso e a prática de atividades físicas não é realidade, a história é outra. Além de mudar hábitos, mantenha exames em dia. Antes de ver a glicose subir no sangue, é possível identificar se os níveis de insulina estão acima do ideal. Isso pode ser um indício de que você está consumindo mais carboidrato do que seu corpo pode processar.

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diferenças entre celíacos
e sensíveis

Para o médico Francisco Tostes, membro da Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia, o estudo vem para comprovar o que é observado na prática: a retirada de glúten virou modismo. Isso só deve ser feito naqueles que têm prejuízo ao consumir, reforça.
Para Tostes, é preciso diferenciar os problemas e pedir ajuda médica.
“O celíaco tem intolerância, incapacidade de digerir o glúten. Ele tem sintomas gastrointestinais, como inchaço na barriga, diarreia, intestino preso” – explica.
O endocrinologista diferencia os sensíveis à proteína presente no trigo, centeio e cevada.
“Quem tem sensibilidade, tem sintomas gastrointestinais diferentes, como diarreia com sangue, enxaqueca, alergia, nariz fungando e alergia na pele” – enumera.
O diagnóstico pode ser feito com exame de sangue, que vai identificar se o alimento determina algumas respostas imunológicas.

qual a relação existente entre o nutriente e a doença?

Nas últimas semanas, um estudo realizado pelo Departamento de Nutrição da Escola de Saúde Pública da Universidade de Harvard repercutiu na mídia mundial com dados que mostram uma associação positiva entre dieta gluten-free e o desenvolvimento de diabetes tipo 2. Mas qual a relação existente entre o nutriente e a doença?

Inicialmente, é preciso entender o que é o glúten e se há alguma contraindicação para o seu consumo. Trata-se de uma proteína encontrada nos grãos de trigo, cevada e centeio, e consequentemente em seus derivados, como pães, massas, biscoitos, bolos e até mesmo na cerveja. Cerca de 1% da população mundial é portadora de Doença Celíaca, uma reação imunológica à sua ingestão, e em hipótese alguma pode consumir produtos que o contenham; cientificamente não há nenhuma comprovação dos benefícios da exclusão para indivíduos saudáveis.
“Muitas pessoas aderiram ao modismo de banir o glúten da dieta sem prescrição médica, devido à esta forte tendência de medicalização dos alimentos. Mas esta restrição pode trazer graves riscos à saúde”, alerta Beatriz Botéquio, consultora em nutrição da Associação Brasileira das Indústrias de Biscoitos, Massas Alimentícias e Pães & Bolos Industrializados (Abimapi).

A análise feita em Harvard, que compilou informações declaradas por cerca de duzentas mil pessoas durante 30 anos, mostrou que 15.942 participantes que adotaram uma dieta gluten-free desenvolveram diabetes tipo 2. A conclusão dos pesquisadores é que está mais predisposto a ter a doença quem consume menos do que 4g da proteína por dia.

Para facilitar a interpretação, Beatriz esclarece que não existe uma tabela oficial sobre quantidade de glúten nos alimentos, mas é possível ter uma noção desta quantificação com a farinha de trigo: “Estima-se que 80% das proteínas do trigo formam glúten [gliadina e glutenina]. Então, 100g de farinha tem, em média, 7g do nutriente”.

A nutricionista explica que ao excluir o glúten da dieta, normalmente há uma substituição dos grãos/cereais integrais por polvilho ou farinhas de tapioca e de arroz, aumentando a quantidade de carboidratos de alto índice glicêmico (elevação rápida do açúcar no sangue) e pobres em fibras. “É provável que não seja necessariamente a quantidade de glúten, mas sim a ausência das fibras [que é amplamente conhecida por controlar a absorção do açúcar no sangue] que propicia o desenvolvimento do diabetes”, diz.

Os alimentos integrais, inclusive, são amplamente estudados pela ciência e têm seus benefícios confirmados para a prevenção e tratamento de doenças crônicas. “Um estudo de 2016, publicado na Revista British Medical Association, mostrou que o consumo regular de grãos integrais está associado a um menor risco de desenvolvimento de câncer, diabetes e doença cardiovascular. Daí a importância de manter o consumo de pães, biscoitos, bolos e massas nas versões integrais com maior frequência” pontua a especialista.

Beatriz Botéquio ressalta que estas pesquisas levantam pontos importantes e comprovam que restrições sem indicação médica, além de desnecessárias, podem trazer prejuízos sérios à saúde. “Ninguém precisa abrir mão dos carboidratos e/ou do glúten para ser saudável. O importante é manter uma alimentação equilibrada com todos os grupos alimentares, em quantidade adequada e de preferência na versão integral”, finaliza.