Vitória no Supremo Tribunal Federal

“CASO” Beira Rio

6 - beira rio

Ordem de desocupação no Recanto Beira Rio, em Indaiatuba, é suspensa

O Ministro Edson Fachin do Supremo Tribunal Federal, em decisão humana, deferiu liminar suspendendo ordem de desocupação das casas que servem de moradia no bairro Recanto Beira Rio, localizando na região limítrofe entre Indaiatuba e Salto.

A decisão foi proferida em uma reclamação constitucional que é nada mais nada menos do que demonstrar ao Tribunal competente que a autoridade de suas decisões está sendo questionada pelas instâncias inferiores.

A decisão vai na mesma esteira de outra recentíssima decisão proferida pelo Ministro Luís Roberto Barroso, também integrante da Suprema Corte.

Breve resumo do caso: os moradores do Recanto Beira Rio, compraram lotes acreditando estar regular, cuja matrícula do imóvel encontra-se registrada no Cartório de Registro de Imóveis de Salto, e não de Indaiatuba, e também, compraram de boa-fé, sob a alegação de que naquela cidade havia um pedido de regularização formulado em andamento.

O Supremo Tribunal Federal, em casos parecidos, tem decidido de forma contrária ao quanto decidido no caso Beira Rio, tanto em Primeira, quanto em Segunda Instância, de forma a garantir os direitos fundamentais mais elementares do ser, ainda mais nesse momento de pandemia ocasionada pela COVID-19 que atravessa o mundo, sopesando os direitos, garantindo um mínimo existencial, ainda mais nesse momento em que o conclame das autoridades é para que fique em casa, conforme muito bem salientado pelo e. Min. Luís Roberto Barroso na ADPF nº 828, sendo, portanto, a casa, que é asilo inviolável do cidadão (art. 5º, XI, CRFB/1988), exatamente o instrumento que deve ser usado a favor para a diminuição do achamento da curva de infecção do novo coronavírus, e não contra, como querem as autoridades.

Segundo o advogado que assina a peça, Dr. Edilson Leite (OAB/SP 449.407), no dizer de Jessé Souza “(…) A escravidão só prospera com o ódio ao escravo e o Brasil de hoje é marcado por uma coisa central que só um cego não vê, o ódio ao pobre. (…)” (in https://revistacult.uol.com.br/home/jesse-souza-a-elite-do-atraso/), retratando um país com um racismo estrutural, nas palavras de Silvio Almeida, cada vez mais acentuado.

O advogado continua dizendo ainda que, recentemente, em artigo intitulado “A condição populista contra a democracia representativa1” publicado no site ConJur, em 05.06.2021, o mesmo Ministro, Edson Fachin, fala sobre um Zeitgeist populista e ainda cita o irônico conselho de Simon Tormey aos populistas: “nunca desperdice uma crise!”.

O que se nota, segundo o advogado, é que vive-se um momento, ou conforme bem colocado pelo douto Ministro Edson Fachin da Suprema Corte Constitucional do Brasil, um Zeitgeist, um espírito da época que reflete na verdade uma triste realidade que é a dita “elitização” da política e não a assunção do poder por políticos verdadeiramente vocacionados, que cheiram o povo, o que se tem visto, é cada vez mais políticos desprovidos de espírito republicano ascenderem ao poder, pela via democrática, retratado por Steven Levitsky e Daniel Ziblatt na Magnum opus “Como as democracias morrem”, e usurparem sua missão primaz, que é a busca pelo bem comum. Não parece para os moradores que a busca pelo bem comum, ou pelo zelo à coisa pública (respublica), seja o de desalojar famílias, que, têm dentre elas idosos, um adolescente autista, enfim, não parece republicano, muito menos exprime o conceito-mor de democracia, desde seu conceito mais clássico até o moderno, que, sinteticamente, imprime a ideia de governo do povo, pelo povo e para o povo.

O interessante, é que, conforme ressaltado pelos próprios moradores por meio de seu advogado, ditos “políticos” quando em época de eleição, vão até o mais recôndito rincão pedir voto sob a promessa de programas habitacionais dignos às populações desprovidas de recursos financeiros, pisam no barro, tomam café nos casebres simples das pessoas, porém, quando ganham a eleição, viram as costas àqueles que lhes elegeram, outorgaram poderes, por via do mandato, em representação indireta.

O verdadeiro político, no sentido mais léxico e linguístico da palavra, é alguém que lidera pelo e para os seus governados, e não o contrário, buscando sempre uma solução que seja a melhor possível à defesa dos interesses, principalmente, que vise proteger os mais frágeis.

“Ah, se não fosse o defensor dos indefesos, como disse o Apóstolo João, em sua Primeira Epístola, no capítulo 2, versículo 1, Jesus, o Advogado Justo, que intercede pelos desvalidos, injustiçados, pobres e necessitados. Graças a Deus que existe o guardião da Constituição, dos direitos e garantias fundamentais, para proteger os cidadãos do arbítrio do Estado, que se busca, por meio da presente reclamação aplacar”, conclui o advogado.

O advogado, na peça processual, cita ainda, importante lição do professor de Harvard, Michael J. Sandel, em seu livro “Justiça: o que é fazer a coisa certa” que trata de alguns dos dilemas morais e cita, como exemplo, a seguinte situação hipotética: “’Suponha que você seja o motorneiro de um bonde desgovernado avançando sobre os trilhos a quase 100 quilômetros por hora. Adiante, você vê cinco operários em pé nos trilhos, com as ferramentas nas mãos. Você tenta parar, mas não consegue. Os freios não funcionam. Você se desespera porque sabe que, se atropelar esses cinco operários, todos eles morrerão. (Suponhamos que você tenha certeza disso).

De repente, você nota um desvio para a direita. Há um operário naqueles trilhos também, mas apenas um. Você percebe que pode desviar o bonde, matando esse único trabalhador e poupando os outros cinco.

O que você deveria fazer? Muitas pessoas diriam: “Vire! Se é uma tragédia matar um inocente, é ainda pior matar cinco.” Sacrificar uma só vida a fim de salvar cinco certamente parece ser a coisa certa a fazer. (SANDEL, Michael J. Justiça – O que é fazer

a coisa certa; tradução de Heloisa Matias e Maria Alice Máximo. 27ª edição. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2019, pp. 32-33)’.

Pois é eminente Ministro Edson Fachin, no exemplo acima, as 5 pessoas sobre os trilhos são essas cinco famílias e a única pessoa é a propriedade que o Poder Público quer a todo custo “proteger” e que ficará sem cumprir sua função social, abandonada, que prefere-se preservar ao invés de garantir os direitos fundamentais a essas 5 famílias que lá estão instaladas e que não terão para onde ir, ficarão nas ruas.

Será que esse é o ideal de justiça que se quer alcançar como nação? Aliás, o que é justiça então, no dizer de Hans Kelsen? Será que isso é ser um Estado que se diz ser Democrático e de Direito (art. 1º, caput, CRFB/1988)? Será que agindo assim pode-se dizer que o Estado Brasileiro é uma República de fato (art. 1º, caput, CRFB/1988)?

Não parece ser a coisa certa a se fazer optar por retirar essas 5 famílias de suas moradias que foram compradas em detrimento da propriedade, diante desse dilema moral que ora se apresenta!”

Foto: divulgação