Quando a filha passa a ser ‘mãe da mãe’ – amizade eterna

Mesmo com papéis invertidos, é preciso manter a autonomia do idoso

texto: Elisa Clavery | foto: divulgação
texto: Elisa Clavery | foto: divulgação

Sempre que um conhecido encontra Dona Lindalva, pergunta logo onde está Cláudia. E vice-versa. A mãe, de 70 anos, e a filha, de 42, explicam: dificilmente vistas separadas, são ‘carne e unha’ – até para correr. Depois de ver a filha participar de corridas por dez anos, Lindalva Figueiredo fez uma promessa, no último aniversário: vencer os 42 quilômetros de maratona.
“Algumas pessoas me criticaram quando coloquei minha mãe para correr. Hoje tenho muito orgulho disso”, diz Cláudia Figueiredo, que passou o Dia das Mães, com Lindalva, em um treino de 8 km, aquecimento para a Maratona do Rio, no dia 29: “ela quer chegar ao pódio”.
Não é só nas corridas diárias pela Tijuca, onde moram juntas, que mãe e filha são parceiras. Desde que Lindalva voltou aos estudos, Cláudia ajuda nos deveres de casa da mãe: “Ela teve que parar de estudar na quinta série e voltou agora. É como se tivesse invertido a experiência da infância, estou fazendo o que ela fazia comigo no colégio’’.
‘Trocar de papel’ com a mãe costuma ser comum quando a filha chega à idade adulta e a mãe, à velhice. Depois de vivenciar essa situação, com a mãe de 98 anos que quase não enxergava, nem ouvia, a psicanalista Betty Milan escreveu o livro recém-lançado ‘A Mãe Eterna’: “a única maneira de cuidar do idoso é pela escuta, ainda que uma pessoa de idade possa ter falta de crítica ou dizer coisas absurdas, às vezes. Assim, encontra-se um caminho para cuidar com amor’’.

Aprendizagem intensa
A fase de cuidar da mãe, principalmente quando ela está debilitada, pode ensinar muita coisa para as filhas: “aprendemos a ter, em primeiro lugar, paciência. Além disso, generosidade, pois é preciso abrir mão do tempo dedicado a si mesma, como a mãe, no passado, abriu mão de seu tempo”, diz a psicóloga Betty Milan. “Também se aprende a lidar com a resistência e encontrar soluções criativas para o que deve ser feito”.
“O idoso percebe, por menos lúcido que esteja, quando é cuidado por obrigação. Se formos atenciosos, podemos ver como ele é engraçado e rir junto”.

corremos juntas para treinar
LINDALVA FIGUEIREDO, aposentada, 70 anos

Minha filha falava tão bem de maratonas que eu perguntei: ‘por que não posso fazer uma?’. No meu aniversário de 70 anos, fiz, então, a promessa de correr uma. Pensei que seria impossível, mas queria muito. Isso nos aproximou mais ainda, eu e minha filha, porque agora corremos juntas quase todos os dias para treinar. A largada é linda, mas a chegada é melhor ainda. E, com os exercícios, minha saúde melhorou. Não tenho mais preguiça, faço todas as coisas com disposição. Já participei de pequenas corridas e foi sofrido, mas muito bom. Estou contando os minutos porque é um sonho a ser realizado. Se eu completar a maratona e, se Deus quiser, eu vou, quero continuar a fazer outras provas.

entender
e Respeitar

INDEPENDÊNCIA: Os idosos precisam sentir que mantêm sua independência. “A arte de se tornar mãe da mãe é não responder ao idoso com outro não. Se ele disser ‘não’ quando deve dizer ‘sim’, você concorda e procura outra solução para levá-lo ao médico, dar o remédio, protegê-lo”, aconselha Betty.
PERSONALIDADE: O idoso não pode ser infantilizado, nem superprotegido. “Tem que respeitar as características da personalidade dele, pois é essa autonomia que garante sua vida saudável”, diz a geriatra Mariângela Perez, do Hospital São Vicente de Paulo.
ajuda: Quando o idoso tem mais de um filho, é importante dividir as tarefas relacionadas a sua saúde, como levar ao médico. Em alguns casos, um cuidador de idosos pode ser necessário.