Nem toda madrasta é má

Mulheres e seus enteados contam como a convivência transformou suas vidas

 

Nos contos de fadas, elas são vistas como algozes de suas enteadas. Mas, na televisão, uma personagem vem contrariar a lógica dos filmes de princesas como Cinderela e Branca de Neve: Tina, vivida por Elizabeth Savalla em ‘Alto astral’, cuida dos quatro filhos do marido e os ama como se fossem seus. Assim, mostra que mulheres reais podem fazer jus ao trocadilho ‘boadrasta’. É também o caso da empresária Tereza de Fátima Xavier, de 50 anos, na relação de 17 com a enteada, a jornalista Priscilla Costa.
“Quando nos conhecemos, eu já tinha o meu caráter formado, mas ela conseguiu me fazer uma pessoa ainda melhor” declara-se a jovem de 29 anos, que aos 13 anos conheceu a agora ex-mulher do pai e, em princípio, não lidou bem com a ideia: “era rebelde e resistente”.
Tereza de Fátima também ajudou na criação de Cristiano Costa, que hoje, aos 33 anos, vive nos Estados Unidos.
Para manter a casa cheia e a família unida, a assistente social Carmen Lutti diz que a nova mulher do pai deve deixar clara a verdade aos filhos e enteados: “a atitude da madrasta é o que vai determinar como as crianças vão reagir à experiência. Se os pais as preparam em um ambiente de amor e sem segredos, elas vão reagir àquilo naturalmente, mesmo que tenham uma natureza mais possessiva ou ciumenta.
Conheça histórias de madrastas e seus enteados com começo, meio e final feliz.

 

Tina, personagem de Elizabeth Savalla em ‘Alto Astral’, criou os quatro filhos do marido Manuel (Leopoldo Pacheco) com amor de mãe e é adorada por eles
Tina, personagem de Elizabeth Savalla em ‘Alto Astral’, criou os quatro filhos do marido Manuel (Leopoldo Pacheco) com amor de mãe e é adorada por eles

Tereza de Fátima Xavier
Empresária, 50 anos

Uma jovem de 13 anos não se conforma com a separação dos pais e não aceita o fato de seu herói e a nova namorada viverem juntos. Essa não é só a sinopse do filme ‘Lado a lado’ (1998), de Chris Columbus. É também um resumo de uma fase das vidas de Priscilla Costa e Tereza de Fátima. A jornalista, de 29 anos, e a empresária, de 50, passaram por poucas e boas antes de se tornarem grandes amigas. “Eu não falava com ela, a detestava. Só comecei a frequentar a casa deles aos 15, mas com muita restrição”, lembra Priscilla, que também passaria a conviver com a filha de Tereza, do casamento anterior  com Adelmo Costa, de 60 anos. A resistência, no entanto, não impediu a moradora de Niterói de lutar pela aceitação. Por conta própria, ela, que tem uma filha de 26 anos, chegou a fazer a inscrição da enteada na universidade. “Todos reforçavam que ela não era minha filha e que eu me prendia ao que não tinha que me preocupar. Mas me importava, e muito”, conta Tereza de Fátima. Quatro anos depois, Priscilla passou pela perda da mãe – assim como acontece no filme de sucesso, ao qual as duas costumam assistir juntas e aos prantos. “Quando eu tinha 19 anos, minha mãe morreu de câncer. Adivinha quem deu a maior força que eu precisava? Fátima me acolheu e me incentivou a ser uma pessoa melhor. Depois de 14 anos de relacionamento, ela se separou do meu pai, mas nada mudou entre nós”. A prova é que até hoje a jornalista tem lugar cativo na casa e no coração da empresária.

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Fernanda Tuber
Assessora de Imprensa, 31 anos

Sophia era apenas um frágil bebê, de 4 meses de vida, quando a assessora de imprensa Fernanda Tuber a conheceu. Hoje, 7 anos depois, as duas não se desgrudam, mesmo morando em casas separadas. “Quando saímos juntas, todos dizem que nosso sorriso é parecido. Até na personalidade, Sophia tem muito de mim: por me ver trabalhando sempre em casa, ela fala que quer ser jornalista”, conta Fernanda, de 31 anos: “às vezes, quando penso em ter um filho no futuro, fico até com medo de a criança não ter tanta afinidade comigo, como acontece com Sophia”. Fernanda recorda o momento mais emocionante vivido com a enteada até hoje: seu casamento, do qual a menina foi dama de honra, em abril do ano passado. Quando perguntam o que mais gosta de fazer com a madrasta, a garota logo corrige: “ela é minha mãe do coração! Adoramos ir ao shopping juntas”. E se engana quem acha que as duas só vivem momentos de festa. “Ela sabe que lá em casa não é só farra. A gente também conversa sério quando precisa”, afirma Fernanda.

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Jorgenéa Osório
Empresária, 57 anos

O receio de Jorgenéa Osório ao criar os enteados Paulo Maurício (no detalhe) e Ana Paula Ardila (de casaco roxo), de 34 e 40 anos, respectivamente, era de como eles conviveriam com seu filho Tiago, da mesma idade do mais novo e fruto de sua relação com o pai dos meninos. Por dificuldades financeiras da mãe, as duas crianças passaram a morar com Jorgenéa, e o medo foi vencido pela receptividade e pelo carinho do casal. “Achei que a convivência ia ser difícil, principalmente com Ana, porque ela já era uma mocinha”, conta a madrasta. Com o tempo, a família ficou tão à vontade, que se um precisava ir para o castigo por aprontar o outro não era beneficiado. “Quando tinha que dar um puxão de orelha, os três ouviam da mesma forma”, lembra a empresária, que elege a chegada dos netos (no centro da foto) como o momento mais emocionante de sua vida. O primeiro foi de Ana Paula, que engravidou aos 20 anos. “Ela acompanhou de perto a minha gravidez, que foi difícil por eu ser mãe solteira e jovem”, conta a enteada. Paulo Maurício, hoje designer, também se declara à madrasta: “tenho um grande amor por ela. Apesar da educação rígida, Jorgenéa nos transformou no que somos hoje”.

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Maria da penha
Aposentada, 64 anos

Quando Maria da Penha (à direita na foto), de 64 anos, foi apresentada a Leandro Gomes (de casaco azul), de 35, já carregava a missão de lhe passar todo o amor recomendado pela mãe do enteado. No leito de morte, Ereclides suplicou por cuidados ao filho e logo veio a falecer, como conta Ana Gomes (na foto, com o buquê), de 25 anos, irmã do rapaz e filha biológica de Maria: “ela disse: ‘você é uma boa mãe. Cuida do meu filho, pelo amor de Deus’. E assim ela fez”. O pedido foi levado à risca pela madrasta, que se doou em dobro ao então menino de 7 anos, a ponto de hoje ter tamanha entrega reconhecida por Leandro: “ela realmente foi tudo para mim”! Tanto afeto se mostra genuíno nas poucas palavras da matriarca. “Quando a gente pega uma criança pequena, faz o possível para ela ter o melhor. Hoje, graças a Deus, ele já está criado, e sinto que tem muita gratidão a isso”, diz a aposentada, que também contou com o auxílio do garoto para cuidar da filha, que nasceu quando ele tinha 10 anos: “Ele olhava por ela junto comigo e até hoje a protege. É um bom menino”, derrete-se Maria, voltando no tempo para fazê-lo caber dentro do peito.

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Dica da especialista

Amor puro e baseado na verdade. Para a assistente social e advogada da vara de família Carmen Lutti, esse é o lema para a madrasta superar expectativas e não construir relações enganadas, na tentativa de substituir a real figura materna. “Quando a mãe é viva, as crianças têm lealdade a ela. Então, a madrasta deve deixar claro que ela é a nova mulher do pai, mas não entrará no lugar da mãe. Trata-se de um acréscimo à sua criação”, explica. No caso dos pequenos órfãos de mães, desde recém-nascidos, a mulher deve sinalizar e explicar, no decorrer de seu desenvolvimento, que a progenitora biológica existiu, contar sua história. Neste caso, a aceitação fica mais fácil: “quanto menor, mais aberta a novas experiências ela está. Quanto maior, mais a vivência com a mãe verdadeira estará consolidada. Em todo caso, a atitude da madrasta vai determinar grande parte das reações dos enteados”.