MACHU PICCHU, Ir a pé é uma escolha com muitas consequências

Roteiro com caminhada entre montanhas traz experiências culturais

texto: Por Mariana Goulart Hueb/agência estado | fotos: divulgação

Algo que a maioria das pessoas omite quando conta sobre as aventuras no Peru é o quão cedo o dia começa. Se você não troca o café da manhã do hotel por nada, vai precisar de uma força de vontade extra para deixar a cama aconchegante às 6h e encarar o frio matutino da cidade de Cuzco para se alimentar.
Devidamente nutrido, é hora de subir na van para começar a aventura. A primeira parada é uma das muitas cooperativas de tecelagem de Chinchero. Lá, dá para ter uma ideia geral de todo o processo de fabricação dos coloridos tecidos peruanos, desde a limpeza da lã pura de lhama, alpaca ou ovelha, até o acabamento. Tudo é feito à mão e com produtos naturais, inclusive o tingimento: extraem-se a partir de plantas, flores e insetos. Para atingir nuances diferentes de uma mesma cor, adiciona-se suco de limão. “Conseguimos chegar a cerca de 20 tons de vermelho”, contou Milagros, uma das tecelãs de Chinchero.
Com a lã limpa, tingida e seca, começa a etapa mais longa: a tecelagem. Para fabricar um único caminho de mesa, leva-se cerca de um mês inteiro, o que valoriza o trabalho das famílias peruanas que fazem parte da cooperativa. É possível comprar um dos caminhos de mesa por 250 soles (que tem a cotação bem similar ao real). Já os cobertores, que têm mão de obra menos complexa, saem por 100 soles. Há também gorros, luvas, meias, porta-moedas, chaveiros e pulseiras.
O início da trilha. Depois de abastecer a mochila com lembrancinhas, chega o momento de visitar o campo arqueológico de Chinchero. O que outrora havia sido um dos muitos templos incas foi derrubado para dar espaço a uma igreja católica quando os espanhóis dominaram a região. O entorno da igreja, por sua vez, é repleto de terraços agrícolas nos quais os incas cultivavam diversos tipos de batatas, grãos e ervas. E é na base desses terraços que a trilha finalmente começa.
Quem não tem experiência no assunto deve ouvir com alívio que essa primeira caminhada não tem subida, certo? Errado. Foram oito quilômetros de descida, boa parte deles cheios de degraus, que não fizeram nada bem aos joelhos desta repórter. A dor, no entanto, foi compensada pelas belas paisagens, principalmente nos pontos da trilha em que o Rio Urubamba e o povoado de Urquillos estavam visíveis. Um dos ensinamentos desse primeiro dia foi o de não subestimar a importância dos bastões de caminhada. Nos trechos em que a trilha fica mais seca e cheia de pedregulhos, eles evitaram pelo menos seis tombos homéricos.

ACIMA DOS 4 MIL METROS
Os músculos enrijecidos depois da primeira trilha deixam tudo mais complicado, desde pisar no chão até subir os degraus que levam à sala de jantar do chalé de Lamay. Mas a vontade de testar os limites do corpo tornam o segundo dia de trilha indispensável, principalmente quando você descobre que irá passar dos 4 mil metros de altitude. Para ajudar um pouco nessa árdua tarefa, a van dá uma carona até o ponto de partida da caminhada, que já está a 3.800 metros.
Lembra quando chega aquele momento do calendário futebolístico em que algum time brasileiro precisa ir para a Bolívia em uma decisão da Copa Libertadores? Cada clube arma uma estratégia parecida, que consiste basicamente em chegar a La Paz dias antes da partida. Mas, mesmo assim, parece que os jogadores não conseguem render o máximo que podem, e isso acontece por causa do ar rarefeito, que torna a respiração difícil e faz perder o fôlego com apenas alguns passos. Se isso acontece com atletas profissionais, imagine o efeito em corpos que apenas correm na esteira durante alguns minutos na semana.
Poucas passadas já faziam ser necessário parar e beber água, além de recuperar o ar. Na pausa mais longa, Steven, um dos canadenses do grupo, verificou nos seus gadgets que nós havíamos nos deslocado apenas 244 metros em 40 minutos. E ainda faltavam mais 121 metros até a passagem. Em frente.

PARA BAIXO TODO SANTO AJUDA?
O pico da caminhada é marcado por um montinho de pedras arrumadas para o clique perfeito do grupo, com o céu e as montanhas ao fundo. Depois do registro, sobra apenas o caminho morro abaixo, para azar dos pobres joelhos, que precisarão aguentar mais 1h30 de descida até Viacha, vilarejo onde será servido o almoço. Na trilha tortuosa, o contato com os animais criados pelas famílias do povoado é direto.
Caminhando entre rebanhos de ovelhas, finalmente chegamos à casa de Bertha e Julian, casal morador das montanhas que nos recebeu com a pachamanca. Prato típico do Peru, consiste num tipo de cozido de cordeiro, porco e frango – além de vários tipos de batata e milho -, preparados sob a terra.

Pisac cidade foi uma das maiores durante o apogeu do povo pré-colombiano

PISAC
Depois do almoço, as ruínas de Pisac são o próximo destino. Construída por civilizações pré-incas, a cidade foi uma das maiores durante o apogeu do povo pré-colombiano e se destacava por sua completude: agrupava torres, edifícios, templos, terraços agrícolas e um cemitério. Explorar Pisac após uma trilha moderada é desafiador, mas a energia dos incas parece dar uma forcinha extra para que você não desista. A vastidão da paisagem sopra um ar contemplativo enquanto o relógio insiste em avançar. Já é hora de ir para o chalé.

RUÍNAS E DESAFIOS
Como mudaríamos para um chalé diferente, era preciso acordar um pouco mais cedo para deixar as malas prontas. Isso, é claro, se o despertador tivesse sido programado. Esqueci – e tive de fazer tudo na correria.
Depois do café da manhã, o mercado de Pisac aguardava nossa visita. De milho roxo a pimentas enormes, os produtos expostos nas barracas dão a oportunidade de conferir de perto os hábitos alimentares da população peruana.
Após o passeio, chegamos de van no sítio arqueológico de Ancasmarca, um dos mais fascinantes da viagem. Ali, as construções seguem um formato circular. De acordo com os guias, cada um dos círculos eram silos, onde ficavam estocados grãos e outros alimentos. Por ter bastante incidência de sol e vento, Ancasmarca possui as condições ideais para manter tudo fresco, o que mostra a sabedoria dos incas a respeito de suas terras.

PIQUENIQUE NO RIACHO
Ancasmarca é de cair o queixo, mas não havia tempo para continuar admirando a inteligência inca enquanto havia uma trilha à espera. Depois de uma hora dentro da van, fizemos um piquenique ao lado de um riacho. Sanduíches, frutas e suco deram energia para a segunda parte do dia.
Mais 20 minutos de van e chegamos ao ponto de partida em Cuncani, no pé de uma montanha, a uma altitude de 3.800 metros. A passagem estava a 4.200 metros. Sem pânico.
Sinceramente, quando você começa a trilha, bate uma sensação de arrependimento. É muito difícil superar as dificuldades físicas, principalmente quando você passa duas horas apenas subindo a montanha. O fôlego vai embora muito rápido e toda a água fresca do mundo parece insuficiente para repor os minerais perdidos ao longo da empreitada. A cada parada para respirar, a cada esticada de braço para pegar o cantil, você olha para baixo, procurando onde foi o local onde a trilha começou. E são nesses breves momentos em que um misto de sensações que nada tem a ver com arrependimento se manifesta. Felicidade, superação, dever cumprido. Com esse incentivo, terminar a trilha fica bem mais fácil.
Da passagem em diante, o cenário muda: os caminhos estreitos e pedregosos se transformam em campos abertos e úmidos, recortados por três lagos. No topo da montanha, o vento forte e gelado obriga a vestir peças de lã, como cachecóis e luvas, para aguentar a parte final da caminhada – agora, morro abaixo.
Depois de uma hora encontrando lhamas e alpacas no meio do caminho, já conseguimos avistar o chalé Huacahuasi. A jacuzzi privativa me aguardava, quentinha, em meio ao frio de 7 graus.

Nas coooperativas de tecelagem de Chinchero, tudo é feito à mão e com produtos naturais

RELAX PARA OS JOELHOS
Depois de quatro dias de caminhadas, os joelhos imploravam por descanso. Como as duas opções de trilha eram de dificuldade elevada, optei pela atividade cultural. Assim, pude acordar um pouco mais tarde. Com as malas prontas para serem levadas até o próximo chalé, subimos na van às 9h e fizemos um longo caminho de volta ao Vale Sagrado, até Urubamba.
A atividade programada era uma visita ao Museo Inkariy, que conta a história dos povos que habitaram a região andina desde antes da expansão do Império Inca. Nas oito salas, são apresentados, por meio de dioramas, os costumes, indumentárias e características físicas dos principais povos andinos.
Seguindo uma ordem cronológica, a primeira sala, do povo caral, conta detalhes sobre a civilização mais antiga da América, que teria se formado há cerca de 4.600 anos no litoral peruano. Na sequência, a sala dedicada ao povo chavin traz uma representação dos rituais de sacrifício, enquanto a dos paracas mostra técnicas de deformação de crânios, que serviam para distinguir a função de cada membro da sociedade.

ORIGEM DOS INCAS
Depois de conhecer os mochica, nazca, wari e chimu lambayeque, chega a vez dos incas. Há diversos mitos que narram a origem desse povo. O mais difundido é o de que os irmãos Manco Capac e Mama Ocillo, filhos do Deus Sol, emergiram das profundezas do Lago Titicaca para procurar um lugar para estabelecer um reino. Esse local seria o Vale de Cuzco.
Já a versão arqueológica sugere que os incas tenham sido um resultado da união entre os moradores do vale e tribos nômades. Fato é que, em apenas 50 anos, o Império Inca se tornou um dos mais prósperos da América devido à preferência por construir alianças com outros povos por meio de casamentos – e outras negociações diplomáticas – em vez de simplesmente submeter um grupo ao império à força.
Depois da injeção de cultura pré-colombiana, fomos conhecer o novo chalé, cuja proposta é diferente dos outros. Trata-se de um grande terreno com várias casas completas, cada uma delas com salas de estar e jantar, cozinha e espaço suficiente para uma família inteira se hospedar. Os jardins são repletos de flores e árvores – além de dois cachorros amigáveis. À tarde, enquanto o grupo que fez a trilha mais longa não chegava, fomos conhecer uma cervejaria local, a Cerveceria Del Valle Sagrado. Degustamos um pequeno copo de cada um dos tipos produzidos por lá e depois pudemos escolher um pint do que gostamos mais. Mas sem abusos: não é recomendável exagerar no álcool na altitude. Um pouco mais alegres do que quando entramos, voltamos ao chalé para nos prepararmos para o sítio arqueológico de Ollantaytambo no dia seguinte.

FINALMENTE, A CIDADELA
Depois de dias de caminhadas, os joelhos imploravam por descanso. Como as duas opções de trilha eram de dificuldade elevada, optei pela atividade cultural. Assim, pude acordar um pouco mais tarde. Com as malas prontas para serem levadas até o próximo chalé, subimos na van às 9h e fizemos um longo caminho de volta ao Vale Sagrado, até Urubamba.
A atividade programada era uma visita ao Museo Inkariy, que conta a história dos povos que habitaram a região andina desde antes da expansão do Império Inca. Nas oito salas, são apresentados, por meio de dioramas, os costumes, indumentárias e características físicas dos principais povos andinos.
Seguindo uma ordem cronológica, a primeira sala, do povo caral, conta detalhes sobre a civilização mais antiga da América, que teria se formado há cerca de 4.600 anos no litoral peruano. Na sequência, a sala dedicada ao povo chavin traz uma representação dos rituais de sacrifício, enquanto a dos paracas mostra técnicas de deformação de crânios, que serviam para distinguir a função de cada membro da sociedade.