Colorido delirante, México colonial

Cultura e alegria contagiantes mostram o lado mais tradicional do país

texto: Por Luciana Dyniewicz/agência estado | fotos: divulgação

San Miguel de Allende e Guanajuato. Distantes 100 quilômetros uma da outra, elas compartilham características como o casario colorido em estilo colonial, a fundação no século 16 e o título de patrimônio da humanidade concedido pela Unesco. As semelhanças entre essas duas cidades mexicanas, porém, ficam por aí. Apesar de ambas serem deslumbrantes e ensolaradas, a primeira é mais asséptica – com ruelas extremamente limpas para receberem os milhares de turistas americanos que costumam lotá-las -, enquanto a segunda exala autenticidade mexicana.
Essa assepsia de San Miguel de Allende, entretanto, não a torna menos encantadora que sua vizinha Guanajuato. A cidade é um charme, com dezenas de hotéis-butique e galerias de arte entre suas ruas de pedra. O clima árido e a arquitetura das casas remeteriam aos famosos ‘pueblos blancos’ andaluzes – vilarejos no sul da Espanha cujo casario é todo branco – não fosse justamente pelas cores dos edifícios. Como na Andaluzia, em San Miguel as cores das casas também são padronizadas pela Prefeitura, mas, no caso mexicano, não podem fugir do amarelo, do laranja, do vermelho e do marrom, o que forma uma paleta de cores harmônica e agradável aos olhos.
A organização das cores de San Miguel destoa da anarquia multicolorida de Guanajuato, onde o rosa das casas se mistura ao azul, que se mistura ao roxo e, por que não, ao verde-limão. Essa ‘bagunça’ denuncia a atmosfera da cidade: mais barulhenta, mais agitada e menos ‘gringa’. Foram justamente as cores de Guanajuato e as casas praticamente penduradas em morros e encostas que inspiraram o cenário da Terra dos Mortos do filme Viva – A Vida é uma Festa, produzido pela Pixar e ganhador do Oscar de melhor filme de animação neste ano.
Se San Miguel se mostra mais harmônica e Guanajuato, mais caótica, juntas elas formam uma combinação perfeita para uma visita ao México, que vai além da dupla Cancún – Cidade do México Revelam um lado ainda mais vibrante do país – e também cheio de história.

Antes de ir
Como chegar: San Miguel de Allende e Guanajuato estão a cerca de 4 horas da Cidade do México. Há ônibus de primeira classe que fazem o trajeto, com escala em Quétaro. Algumas empresas: Omnibus de México, Pegasso Plus, Primera Plus, ETN. Será preciso pegar táxi para o centro.
Clima: a época mais quente na região é entre março e outubro, quando as temperaturas chegam a 33 graus. À noite é comum esfriar e os termômetros podem marcar mínimas de 15 graus – leve ao menos um casaquinho. Chove pouco o ano todo.

Não perca
Casa del Mayorazgo de La Canal: construído entre o final do século 17 e o início do século 19 em estilo Barroco, o palacete que pertenceu à família La Canal é patrimônio da humanidade da Unesco. Ali já funcionou um hotel e, hoje, trata-se de um Centro Cultural, no centro de San Miguel de Allende. Veja a programação: casasdeculturabanamex com/casadelacanal.
Museus: em San Miguel de Allende, confira os murais de David Siqueiros no Instituto de Bellas Artes – no local, há ainda exposições de artistas locais, já que a cidade é conhecida por suas artes. Em Guanajuato, o Museu das Múmias guarda 111 múmias de moradores da cidade, que tiveram os corpos preservados por causa das características do solo da região. Mais: mumiasdeguanajuato.gob MX.
Santuário de Atotonilco: considerado como uma espécie de ‘Capela Sistina mexicana’, o Santuário do século 16 também é patrimônio da Unesco e fica a 14km de San Miguel de Allende. Repare nas pinturas do teto, por Rodriguez Juárez, e os murais de Miguel Antonio Martínez de Pocasangre. As celebrações da Semana Santa se destacam.

Ao som dos mariachis
O som vibrante de um violino rápido, acompanhado de uma corneta e de um violão, ecoa pelas ruas estreitas do centro histórico de San Miguel de Allende. É só seguir o barulho para encontrar a festa ambulante animada por mariachis vestidos com seus trajes típicos – chapéu de abas gigantes, calça e jaqueta justas, além de um lenço com laço no pescoço.
Um mexicano puxa pela corda um burro que usa óculos de arame, e outros dois sustentam bonecos gigantes como os do carnaval de Olinda. Há ainda os noivos e um garçom servindo tequila em copinhos de cerâmica pendurados nos pescoços dos convidados dessa festa de casamento a céu aberto.
Assim é uma tarde de sábado nessa cidade localizada a cerca de 300 quilômetros ao norte da Cidade do México. Se estiver por lá, inevitavelmente você vai se deparar com uma dessas tradicionais festas (as já citadas callejoneadas) e se dar conta de que San Miguel é o imaginário perfeito que se tem do México: casas coloridas, clima árido, música e pessoas calorosas.
A limpeza das ruas e a ausência de camelôs, no entanto, difere do resto do país, mais pobre do que San Miguel. Esse contraste se explica pelo fato de a cidade ser um chamariz de turistas e moradores americanos – há estimativas de que 12 mil estrangeiros vivam no município de 60 mil habitantes.

Cidade-ostentação
O elevado número de turistas faz com que a cidade não seja tão acessível – uma viagem para o destino pode sair mais cara do que uma visita à badalada praia de Tulum, próxima a Cancún. Praticamente não há opções de acomodação econômica em San Miguel, mas é possível economizar na alimentação.
Voltando à festa de casamento: após encontrá-la, siga o cortejo, porque com certeza ele passará pelas principais vias do centro e, em algum momento, chegará à praça principal da cidade, o Jardín Allende. Ali, um pequeno coreto é rodeado por grandes árvores, cujas copas são impecavelmente podadas em formato circular. Diante da praça, a catedral se impõe de modo soberano. De tom rosado e projetada no fim do século 19, é a única grande construção no centro de San Miguel. Seu interior é sóbrio e não chega a se destacar entre as milhares de outras igrejas mexicanas, em grande parte tão imponentes como as italianas e espanholas.

Comida típica
Do lado oposto à catedral, o restaurante Los Milagros não decepciona. Tem mesinhas nas janelas abertas para a praça e oferece um prato criado em sua própria cozinha: o Molcajete Especial (335 pesos, cerca de R$ 60), que é servido em uma panela de pedra vulcânica (chamada molcajete) e leva a talvez estranha, mas saborosa mistura de camarão, carne de vaca e de frango, além de queijo, muita pimenta e nopal (tipo de cacto quase sem gosto, mas extremamente saudável). O Molcajete Especial serve de duas a três pessoas e vai bem acompanhado de uma tradicional Michelada (cerveja com suco de tomate, pimenta, limão e molho inglês). Acredite, os mexicanos bebem mais ‘michelada’ do que tequila, mescal ou cerveja pura.
Deixando o Los Milagros e a praça principal, na Rua Relox fica a charmosa e chique Dôce-18, uma loja com livros, joias, objetos de decoração e bordados artesanais. Para compras mais simples, há ainda o Mercado de Artesanías, com lembrancinhas locais feitas à mão, além de frutas e verduras típicas. Ao lado do mercado, está a Plaza de la Soledad, mais aberta que a principal, com menos turistas e também rodeada por casas coloridas coloniais que carregam, sobre o teto, lindos vasos com plantas.
Desça pelas Ruas Juárez e Recreo, caso queira conhecer a Plaza de Toros (as touradas são tão populares no México como na Espanha), e depois suba pela Huertas para, finalmente, chegar ao mirante da cidade. De lá, tem-se uma vista deslumbrante das casas coloridas, iluminadas por uma luz perfeita para fotógrafos e pintores – San Miguel já foi centro de peregrinação de artistas por volta de 1940, após a fundação da Escola de Bellas Artes, onde o muralista David Siqueiros lecionou.

Jardim botânico
A 1,5 quilômetro do centro de San Miguel de Allende, o jardim botânico Charco del Ingenio reúne uma variedade inimaginável de suculentas e cactos, com espécies típicas de todas as regiões do México. Há desde as mais tradicionais – verticais e altas – às mais diferentes, redondas e baixinhas. Algumas ainda carregam flores avermelhadas nas pontas. O jardim botânico fica à beira de um rio represado, de onde não se escuta barulho algum que não seja da natureza.
No local, há visitas guiadas às 10h nas terças e quintas-feiras. O passeio dura 2 horas. Para chegar lá, as melhores opções são a van gratuita do próprio jardim (horários em elcharco.org.mx) ou táxi – a corrida custa cerca de 70 pesos ou R$ 12. Para retornar, peça na lojinha para chamarem o táxi. O caminho a pé é quase todo subida; há opções melhores.
Antes de chegar ao jardim, repare nas mansões de cor ocre e fachadas floridas, onde vivem os ricos estrangeiros da cidade.

Onde ficamos
Casaliza Hotel Boutique: o hotel Casaliza fica em frente ao local de fundação de San Miguel de Allende – o Chorro, uma nascente de água onde até hoje há espaço para os moradores lavarem suas roupas. A rua do hotel é uma espécie de escadaria que se mistura a uma pequena praça. Dentro desse pequeno e charmoso hotel, os quartos contornam um jardim com mesinhas, bancos e chafariz, em um cenário bucólico e romântico – o quarto em que ficamos tinha uma sacada estilo Romeu e Julieta, com sua parede externa coberta por trepadeiras. Site: casaliza.mx; diárias a partir de 1.050 pesos (R$ 185).