Sem açúcar e sem afeto
COLUNISTA CONVIDADA
Clarissa Monteagudo
Pão tostado no lanche. Feijão no jantar. Ovo, só de gema mooooleee. Farofinha? Jamais! Onde já se viu homem não gostar de farofa? Pois ele não queria, não adiantava. Inapetente. Não aguentava mais o amor com cardápio combinado e horário certo. Precisava de sangue. Precisava acordar. Os últimos anos tinham sido uma sequência de filme mudo. Preto no branco. Perto dos 40, quem era ela? A criatura com a agenda perfeita, com horários corretos, penteado arrumado. Mas e daí? Não havia mesmo quem lhe desarrumasse os cabelos. Sofria lenta e amargurada derrota para o tempo. Cada dia mais produtivo, cada dia menos feliz. A planta da varanda murchara. Seus sonhos desmoronavam à medida em que crescia a recém-adquirida admiração da mãe. Sempre fora a ovelha meio encardida da família. A paixão pela vida não cabia no apartamento de dois quartos. Financiado. Renunciara aos seus sonhos para caber nos moldes sociais. E agora? Está na hora dos ovos. Gema mole, não se esqueça. Prepare a panela, a manteiga e a pitada de sal. Mas a frigideira já lhe pesa demais. Uma noite, o sonho. Um amor de batucada, de cama quente, de vida cheia. Geleia no pão, farofa no feijão… Omelete. É a vida, essa estranha e invencível ave do paraíso, querendo despertar. É só lhe preparar o ninho. E voar.