46 % da gravidez no Brasil não são planejadas, diz estudo

Gestações precoces estão relacionadas à desigualdade social

U m em cada cinco bebês que nascem no Brasil tem mãe adolescente. Aproximadamente 70% dessas jovens são negras, e três em cada cinco não trabalham, nem estudam. O problema da gravidez não planejada, no país e no mundo, é considerado uma ‘tragédia’ pelo Fundo de Populações das Nações Unidas (UNFPA), por gerar um ciclo de pobreza nem sempre fácil de ser quebrado. Só no Brasil, 46% de todos os nascimentos ocorridos nos últimos cinco anos não foram programados.
A entidade ligada à ONU divulgou em Londres, o relatório ‘Mundos Separados: Saúde e Direitos Reprodutivos em Tempos de Desigualdade’, que compila dados de quase 200 países. No documento, especialistas analisam como a desigualdade social é causa e também resultado de desigualdades de gênero, o que é percebido de acordo com o nível de acesso de mulheres a planejamento familiar, métodos de contracepção, educação, postos de trabalho e leis contra a violência doméstica.
Com três filhas, nenhuma delas planejada, a carioca Vanessa do Nascimento, de 30 anos, sente na pele essa realidade. A primeira gravidez, aos 17, fez a jovem parar os estudos por algum tempo. Ela retomou o Ensino Médio mais tarde e chegou a entrar em uma faculdade de enfermagem, mas não a concluiu. Já trabalhou como recepcionista, caixa de mercado e garçonete, mas está há um ano desempregada.
‘Minha mãe morreu quando eu tinha 15 anos, e acho que isso comprometeu minha educação sexual, porque eu e meu pai não conversávamos sobre isso. Tenho contraindicação à maioria das pílulas anticoncepcionais, pois tenho nódulos no seio. Fui a um Posto me informar sobre colocação de DIU, mas não me receberam bem, não responderam minhas dúvidas. Fui deixando para lá, e cheguei ao terceiro bebê” – disse Vanessa, que tem filhas com idades de 12, 8 e 1 ano.

Sobre o estudo

Violência: São Paulo e a capital da Índia, Nova Déli, foram apontadas como as cidades em que as mulheres mais sofrem risco de enfrentar violência sexual e assédio, de acordo com uma pesquisa divulgada pela Fundação Thomson Reuters.
Professores: O estudo, feito em julho, é baseado em percepções de 380 professores, formadores de opiniões e ONGs sobre questões relacionadas a assédio e violência sexual em 19 megacidades, com mais de 10 milhões de habitantes. Também foram avaliados o acesso aos cuidados de saúde e às oportunidades econômicas, além de práticas culturais nocivas.
São Paulo: São Paulo foi vista como a 11ª pior para as mulheres, no geral, e a 6ª mais criticada no acesso à Saúde. Sobre oportunidades Econômicas e de Educação, está entre os dez piores serviços. Já sobre práticas culturais nocivas, como mutilações genitais femininas, a megacidade foi indicada como a terceira melhor, atrás de Buenos Aires e Moscou.
Mais perigosa: A capital do Egito, Cairo, foi classificada como a mais perigosa para as mulheres no ranking geral.

Milhões sem anticoncepcionais

Estima-se que no Brasil a demanda não atendida por anticoncepcionais afete de 3,5 milhões a 4,2 milhões de mulheres em idade reprodutiva. Segundo o representante do UNFPA no Brasil, Jaime Nadal, o risco de comprometer anos de estudo e acesso ao mercado de trabalho por conta de gestações não planejadas provoca um “ciclo de pobreza intergeracional” que impacta a economia dos países: “quando pensamos em desigualdade, pensamos em dinheiro e no que as pessoas têm ou não têm. Mas o relatório mostra que ela também está relacionada com o que as mulheres podem ou não decidir. As manifestações de desigualdade são multidimensionais e podem ocorrer de formas mais ou menos sofisticadas”.

Texto: Infoglobo | Foto: Fernando Lemos