Programa infantil de olho no público adulto, Os Incríveis 2

Longa proporciona diversão, com diversos personagens engraçados

Brad Bird realizou talvez a maior animação das últimas décadas – Ratatouille. No cinema de live action, acertou com Protocolo Fantasma, na serie Missão Impossível. É um diretor do qual sempre se espera muito. É o problema de Os Incríveis 2. O filme diverte, mas não surpreende mais. O que tem de melhor vem do filme anterior – as eletrizantes cenas de ação, uma vontade de discutir temas adultos relativos à família e à própria realidade das pessoas empoderadas e das demais, comuns. Os pontos fracos são uma sensação de déjà-vu e a narrativa que se estende. E a Pixar tem de parar com a reviravolta que identifica seus vilões. Parecem do bem e, de repente, tchan… Só não antecipa o que vai ocorrer quem não presta atenção nos detalhes.
O ponto de partida é interessante. O mundo não quer mais saber de super-heróis. (O cinema, sim, mas essa é outra história.) Surge um publicitário disposto a promover a grande união e reintegrar os super-heróis. Mas há também um sinistro Hipnotizador, que usa uma tela (o cinema?) para controlar as mentes. Brad Bird já disse, o que é raro num diretor de animações (infantis?), que o gênero – é mais que isso, a oitava arte -, costuma ser injustamente colocado num gueto. Seu sonho é que os adultos vejam Os Incríveis 2 sem o álibi de estar levando as crianças. Ele chega a brincar – “É para ver com seu ‘date’, namorado/a.”
A trama começa em tempo de #MeToo. Nesse mundo hostil (aos super-heróis), mamãe, a Mulher-Elástica, ganha uma missão e, enquanto ela se empodera, papai, o Sr. Incrível, conhece a dura realidade de cuidar da casa e das crianças. Talvez seja bom dizer que o texto vai fazer agora algumas revelações essenciais – olha o spoiler. Mamãe cai em uma cilada e, sozinha, não dá conta de resolver uma situação que pode complicar ainda mais os super-heróis. Papai e as crianças entram em cena para resolver a parada. A família unida jamais será vencida.

Bird, com seu nome de pássaro, é um cineasta da família, tanto faz que seja a formada por laços de sangue (Os Incríveis) ou pela cumplicidade e o afeto (Ratatouille, Missão Impossível). Quando fez o primeiro Os Incríveis, em 2004, o cinema não estava tão poluído de super-heróis. (Os Estúdios Marvel estão comemorando 10 anos .) Bird ironiza – hoje tem 600.000 super-heróis voando por aí. O que ele curte são habilidades, e não superpoderes. As do rato que sonha ser chef, as de Ethan Hunt/Tom Cruise e seus amigos. Ethan que se pendura no prédio mais alto do mundo. O carro que voa – de um prédio para outro -, um recurso cartunesco.
Chega um momento, no desfecho de Os Incríveis, em que os superpoderes são insuficientes ou ameaçam não resolver. Entram as habilidades. É divertido, mas… Os personagens mais engraçados são os menos aproveitados da trama. O bebê que não controla seus poderes e provoca estragos tem poucas cenas mais do que aquilo que aparecia no trailer. A estilista Edna entra e sai rápido demais. Sobra essa preocupação de Brad Bird de atingir o público adulto. O repórter viu o filme em uma sessão especial para crianças e elas ficam agitadas, dispersas. A própria dublagem é esquisita. Como serão, no original, as referências ao Acre, a Raul Gil? As piadinhas regionalizadas raramente funcionam. Outra questão a considerar.