Conheça o cenário da nova série da Globo – Chiloé

Província manteve preservada arquitetura singular

TEXTO: Por Igor Giannasi/agência ESTADO | FOTOs: divulgação
TEXTO: Por Igor Giannasi/agência ESTADO | FOTOs: divulgação

Ao sul do Chile, um local de ares bucólicos e arquitetura marcante reserva surpresas para quem troca destinos turísticos mais tradicionais no país – como a capital Santiago, Deserto de Atacama ou as estações de esqui do Valle Nevado. Formado por um conjunto de mais de 50 ilhas, a província de Chiloé reserva áreas de natureza intocada e hotéis charmosos.
Castro, a capital, dá as boas-vindas com suas casas que seguem estilo similar, com telhas de madeira revestindo as paredes. Também no mesmo padrão, as palafitas na área central, às margens do Oceano Pacífico, enchem os olhos com o colorido de suas pinturas.
Foi essa arquitetura singular que chamou a atenção de Carlos Araújo, diretor artístico da série Os Dias Eram Assim, que acaba de estrear na TV Globo. A produção passou duas semanas na região em janeiro – na trama, Renato (vivido por Renato Góes) é obrigado a se mudar para o Chile. Ali, ele acaba se envolvendo com a médica Rimena (Maria Casadevall).
A madeira, aliás, define a cultura do arquipélago desde quando os povos nômades desbravaram o território com suas embarcações. Antes da colonização pelos espanhóis, não havia o conhecimento do metal e os indígenas criaram um sofisticado método de encaixe das estruturas de madeira sem a necessidade do uso de pregos.
A técnica foi incorporada na construção de igrejas – são cerca de 50 no arquipélago – após a chegada de missões jesuíticas na região, nos séculos 17 e 18. A Unesco reconheceu 16 delas como Patrimônio da Humanidade, considerando as igrejas de Chiloé como “exemplos excepcionais da bem-sucedida fusão das tradicionais culturas europeia e indígena para produzir uma forma única de arquitetura de madeira”.
Em 1936, porém, um incêndio de grandes proporções destruiu boa parte dos palafitas em Castro. Quase que renascendo das cinzas, a partir dos anos 1980, com o apoio do governo federal de então, os casebres restantes passaram por um processo de reforma e revitalização que resultou na criação de charmosos hotéis, cafés e galerias de arte onde antes só havia moradias.
No início deste ano, inclusive, o arquiteto local Edward Rojas, de 65 anos, foi agraciado com o Prêmio Nacional de Arquitetura 2016 – algo considerado uma quebra de paradigma no país. Ele mescla a tradição dos carpinteiros locais com novos elementos, sem desfigurar as características chilotas, em projetos como o Museu de Arte Moderna (MAM), em Castro, a Cocineria de Dalcahue, e a reformulação e recuperação de palafitas e igrejas. “Buscamos um equilíbrio entre o velho e o novo, o tradicional e o contemporâneo.”
Lugar de gaivotas. No idioma indígena williche, Chiloé significa ‘lugar de gaivotas’, mas não são só elas que aparecem pelo arquipélago. Rota migratória de diversas espécies de aves, como flamingos, a região foi visitada pelo naturalista inglês Charles Darwin (1809-1882), durante sua viagem que serviu de base para escrever o livro A Origem das Espécies.
Para ter um contato mais próximo com a natureza, o Parque Nacional de Chiloé, a 60 quilômetros de Castro, e o Parque Tantauco, no extremo sul da maior ilha, em Quellón, são os mais indicados. Não é difícil encontrar nos hostels e hotéis opções de excursões com trekkings, cavalgadas e passeios de barco. Como o arquipélago fica em uma região de clima temperado úmido, é sempre bom levar uma capa para não ser pego desprevenido pela chuva durante as atividades.

Pelo Bosquepiedra pode-se observar a natureza de perto em meio a muitas árvores
Pelo Bosquepiedra pode-se observar a natureza de perto em meio a muitas árvores

DE OLHOS BEM ABERTOS NA
TRILHA PELO BOSQUEPIEDRA
O cajado de madeira na mão demonstra a intimidade de Elena Bochetti com a natureza. Na caminhada pela mata, é o instrumento que ajuda a responsável pelo Bosquepiedra (bosquepiedra.cl), em Cucao, no lado oeste da ilha principal do arquipélago de Chiloé, ao conduzir os visitantes do parque privado de preservação ambiental.
Você também vai precisar de um. Os aventureiros (oito pessoas no máximo) recebem bastões de trekking profissionais para realizar a trilha. O objeto é muito útil, especialmente se o passeio for acompanhado pelas típicas chuvas da região, que deixam a terra úmida e escorregadia – o repórter comprovou isso, se equilibrando após alguns deslizes. Todo o percurso é composto de passarelas, apoiadores e pontos de observação.
São mais de 30 espécies de árvores, com destaque para caneleiras e aveleiras, em um total de 10 hectares (100 mil metros quadrados) de parque. Nada melhor do que ficar com os sentidos atentos para desfrutar dessa imersão verde. O aroma de uma folhagem, a ‘fofura’ da terra que cobre um entrelaçamento de raízes, o som da água da corredeira, a coloração surgida do desgaste de uma rocha…
A mata nativa, explica a guia, tem formação secundária, originada por cima da vegetação que restou das queimadas provocadas pelos antigos colonos, nos anos 1940. Durante o trajeto, Elena mostra exemplos da força da natureza: árvores que brotaram por cima de troncos afetados pela ação do fogo.
“A ideia é que não seja apenas um conhecimento intelectual, nós perseguimos que as pessoas tenham um compromisso com a preservação ambiental”, diz ela, que deu início ao parque em 1991. Nascida em Santiago, Elena foi criada no sul do Chile e, desde pequena, manteve uma relação de proximidade com a natureza do local.
De volta às raízes. Ao ingressar na faculdade de agronomia, em Veneza, na Itália, percebeu a necessidade de preservar a região onde cresceu – e começou a correr atrás do projeto assim que voltou da Europa. “Não havia dinheiro, não havia luz elétrica, não havia telefone, não havia nada”, conta. Naquele momento, o dinheiro de um fundo governamental de preservação ambiental tirou a ideia do papel.
No primeiro ano de funcionamento, ela lembra, apenas 75 pessoas passaram pelo parque. Já em 2016, o número foi multiplicado por sete: 525 visitantes – metade deles, estrangeiros. Parece pouco? “Não é muito. Porém, nosso objetivo não é ser um turismo massivo”, explica.
Os passeios pelo bosque ocorrem todos os dias, às 11 e às 15 horas, mas é preciso fazer a reserva por telefone ou e-mail. As visitas guiadas são em espanhol, inglês e alemão. Os ingressos custam 10 mil pesos chilenos (cerca de R$ 50) para adultos e 6 mil (cerca de R$ 30) para crianças.

A cavalgada de até duas horas permite conhecer os campos da Península de Rílan
A cavalgada de até duas horas permite conhecer os campos da Península de Rílan

CAIAQUE OU CAVALO PARA
CONTEMPLAR A NATUREZA
Café da manhã tomado, agasalho – de preferência, impermeável – no corpo, é hora de ir para a entrada do hotel, ponto de encontro para a excursão. Em um grande mapa estilizado do arquipélago de Chiloé, o guia nos localiza: estamos na Península de Rílan, uma área rural de belas paisagens na cidade de Castro. Passa um pouco das 9 da manhã e o grupo ali reunido se dirige a um pequeno cais logo abaixo do prédio.
Os trajetos entre as cidades e ilhas de Chiloé nos passeios oferecidos pelo hotel Tierra Chiloé são feitos pela embarcação batizada de Williche (nome dos povos indígenas da região). Todo feito de madeira, o barco foi construído por carpinteiros locais, utilizando o metódo tradicional da cultura chilota.
A bordo, queijos diversos e iguarias à base de salmão acompanham os viajantes até chegar ao destino, a ilha de Quehui. A vista é distraída com os montes verdejantes ali, uma revoada de pássaros acolá e até algum animal marinho que submerge tão rápido que nem é possível identificá-lo. Um passageiro diz que é um pinguim. Não há como ter certeza – olhos mais atentos da próxima vez.
Já na ilha, o participante escolhe a atividade, como caminhada ou andar de caiaque. Como Chiloé tem vocação para o trekking, caminhar pelas trilhas da região é uma boa oportunidade para apreciar o verde de seus montes e, de quebra, saborear as amoras encontradas pelo caminho. Os mais aventureiros podem usar caiaques para deslizar nos lagos formados pelas águas do Oceano Pacífico.
Outra opção de atividade oferecida pelo hotel – dessa vez, em terra firme – é a cavalgada. Seja para um cavaleiro de primeira viagem ou um montador já experiente, o passeio permite conhecer os campos da Península de Rílan, passando por suas criações de ovelhas e plantações de macieiras. Pode ser feito na versão mais rápida, de meia hora, ou, para os mais animados, de até 2 horas.

COSTUMES E CULTURAS
Minga: Talvez pela distância do continente – são duas horas de voo entre Santiago e o aeroporto de Castro -, Chiloé preserva fortemente suas tradições. Um exemplo é a minga, reunião de moradores para realizar alguma tarefa em prol da comunidade. Geralmente, o grupo se junta para transportar – isso mesmo, transportar – uma casa de um lugar para outro. Na Casa Museu Francisco Coloane há um vídeo que demonstra o passo a passso.
Curanto: Vai ser difícil para um turista presenciar uma minga, mas há a chance de experimentar um prato que também faz parte do ritual. O curanto é a mais tradicional receita chilota e tem uma maneira peculiar de preparo. Em um buraco na terra, coloca-se a brasa coberta de pedras, onde serão cozidos os ingredientes – mariscos, carnes de frango e porco e batatas -, distribuídos em camadas alternadas com folhas de nalca, planta típica de folhas largas.
Chicha: A bebida típica de Chiloé é a chicha, espécie de cidra de maçã. Diferentemente de outras regiões do Chile, em que as videiras produzem vinhos premiados, as condições climáticas do arquipélago não são as melhores para cultivar uvas. Não deixe de provar quando estiver na região – vai ser difícil encontrar a chicha feita de maçã no resto do país, já que a mais comum é mesmo a feita de uvas.