Biochips abrem nova fronteira

Dispositivo precisa evoluir para ser útil e popular

texto: Por Bruno Capelas/ae | fotos: divulgação
texto: Por Bruno Capelas/ae | fotos: divulgação

Acompanhar a evolução da tecnologia nas últimas décadas é perceber que, com o tempo, os dispositivos estão cada vez menores e mais próximos de nós. Se há décadas os computadores eram enormes e distantes, hoje é difícil pensar em um dia inteiro longe de um smart-
phone – isso para não falar em relógios inteligentes. Quem pensa, porém, que o Apple Watch e similares são a fronteira final está bem enganado: o próximo passo são os biochips, dispositivos que podem ser ‘instalados’ dentro do corpo humano.
Normalmente colocados sob a pele, no espaço entre o polegar e o indicador da mão, os tipos mais comuns de biochips têm o tamanho de um grão de arroz, em formato de cápsula – feita com vidro biodegradável para evitar rejeição. Nos Estados Unidos, o preço costuma variar entre US$ 30 e US$ 80, dependendo da tecnologia de comunicação utilizada.
Entre as possibilidades, estão a tradicional radiofrequência ou o mais moderno NFC – apelido para comunicação de campo próximo, protocolo usado por sistemas de pagamento móvel, como Apple Pay,
ou pelo cartão de transporte Bilhete Único, de São Paulo. Os modelos com NFC são considerados passivos – não precisam de energia para funcionar e só transmitem dados quando expostos a um leitor habilitado, como um smartphone.
Colocar chips dentro do corpo humano não é uma ideia exatamente nova: equipamentos médicos como marca-passo, por exemplo, já existem há pelo menos três décadas. No caso do implante coclear, utilizado em tratamentos de deficiência auditiva, um chip inserido no ouvido interno decodifica sons captados por um microfone e os transforma em impulsos elétricos, que possam ser identificados pelo nervo auditivo. “A tecnologia vem evoluindo, no software e no hardware. Atualmente, mais de 700 mil pessoas são implantadas no mundo”, diz o professor Ricardo Bento, da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo.

Substituto
O implante de biochip é um procedimento simples. “É como colocar um piercing”, diz a artista plástica Lina Lopes, que há dois meses leva consigo um chip de NFC em sua mão esquerda, alinhado ao seu dedo indicador. “O chip vem dentro de uma agulha de 2 milímetros, como a que é usada para doar sangue. É preciso esterilizar a área e colocar a agulha”, explica Lina, que implantou o chip da marca brasileira Project Company, de Maringá (PR). Há risco de infecção, mas segundo profissionais ouvidos pelo jornal ‘O Estado de S. Paulo’ , colocar um chip traz menos riscos do que um piercing.
A principal função do dispositivo de Lina hoje é divulgar seu trabalho: ao passar sua mão perto de um smart-
phone com NFC, o chip envia um comando para abrir o perfil da artista plástica no Instagram. Lina se diverte ao ser chamada de ciborgue por ter um eletrônico na mão. “É uma tecnologia tão simples que está mais para uma lata de Pomarola”, brinca.
Projetado no Brasil e fabricado por parceiros da Project Company, o chip utilizado por Lina é vendido por R$ 300. “Estamos montando uma rede de estúdios de piercing para ajudar nossos clientes”, explica Antonio Diamin, sócio da startup, que começou a vender biochips no início de 2016. Até agora, a empresa vendeu cerca de cem chips.
A ideia surgiu depois que a Project Company começou a fabricar anéis e pulseiras com chips habilitados para usar o NFC – dedicada a pesquisar novas tecnologias, a loja da empresa também tem uma réplica do skate voador do filme De Volta Para o Futuro e uma fechadura eletrônica da Samsung, que pode ser colocada para abrir portas com o biochip NFC fazendo as vezes de chave.
Além de vender o chip, a Project Company também organiza eventos para divulgar a tecnologia: são as chamadas “Implant Parties” (festas do implante). A próxima edição, prevista para fevereiro, em São Paulo, tem ingresso a R$ 200. “Com o ingresso, você tem direito ao implante de um chip. Subsidiamos o preço para divulgar a tecnologia, para que a galera queira ir na festa mesmo”, conta Diamin. “Depois do implante, você já pode sair usando o chip se quiser”, diz o empresário, que tem dois chips – um em cada mão, para abrir as portas de sua casa e de seu carro. “Eu fiz o implante em mim mesmo, mas isso eu não recomendo”, diz.
Hoje, os biochips são um ótimo dispositivo para quem odeia carregar chaves no bolso – mas não muito além disso. “Posso abrir a porta de casa e do meu carro com os biochips que tenho nas mãos”, diz Raphael Bastos, o primeiro brasileiro a implantar um chip.
Engenheiro, Bastos leva um biochip em cada uma das mãos desde 2013. “Hoje, carrego uma carteira de bit-
coins dentro da minha mão. No meu notebook, o bloqueio de tela e as redes sociais só ficam disponíveis com o chip por perto”, diz, como quem descreve as funções de um canivete suíço.
No entanto, o rapaz sabe que a tecnologia ainda tem potencial limitado – especialmente pelo fato de não ter bateria própria, o que limita funções como serviços de localização ou conectividade direta com a internet. “Quando essas questões forem superadas, vamos viver como em Matrix”, imagina ele.
Para Amal Graafstra, dono da empresa norte-americana de biochips Dangerous Things – que projetou os dispositivos usados por Bastos -, a tecnologia ainda tem um longo caminho pela frente. Para ele, será preciso que setores mais tradicionais concordem com sua utilização para que os biochips possam ganhar escala. “Por exemplo: a tecnologia do sistema de pagamentos móveis já existe, mas empresas como bandeiras de crédito e bancos precisam dar autorização para os biochips.”
Para os entusiastas, a tecnologia vai demorar para se popularizar. “Não vejo muitas pessoas sendo implantadas a curto prazo”, diz Graafstra. Assim como ocorreu com o celular, por exemplo, é preciso que o biochip agregue novos recursos. “O celular de antigamente não tinha GPS, não tinha tela sensível ao toque e era preciso usar cabo para tudo. Os biochips vão passar por uma evolução parecida em 30 ou 40 anos”, aposta Bastos.